domingo, 26 de setembro de 2010

OS DESAFIOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS - 1

Bloco de Maracatu - Olinda (PE)

Da liberdade do mundo interior surge a arte. Dentro de nós mesmos podemos ser os "mestres do nosso imaginário".
A escravidão mais lesiva é a cultural.
Qdo nos deixamos colonizar culturalmente pelo senhor,
perdemos nossa identidade e, aí,
abrem-se as portas da servidão mais enraizada.

Este é o grande perigo a ser apontado na arte e cultura de massa,
oriunda do consenso estético do hemisfério Norte - CASE, consenso
anglo-saxão europeu. A arte sedutora dos grandes centros urbanos do Primeiro Mundo
que vem com mensagens repletas de hedonismo consumista, alienantes.

Cultura não é feita de pedra, mas de material poroso (seres humanos).
Processo dinâmico sujeito a transforma
ções radicais no espaço de uma geração.

A cultura popular vai resistir ao tempo e a influência do CASE? Impossível saber.

Que devemos fazer? Interferir, ajudar financeiramente, levar este ritual artistico-cultural
para as escolas para formas novos adeptos? Vai adiantar?
Como disse
Heráclito: não se entra no mesmo rio duas vezes, e eu complemento: na segunda vez as águas do rio já são outras.

O processo é dinâmico, poroso, delicado e complexo.
Ao interferir, podemos transformar ou mesmo destruir um processo que foi desenvolvido em condi
ções sociais muito especiais; de carência, de luta pela preservação da identidade cultural, etc. Ao mudar o meio-ambiente onde estas manifestações surgiram, mudam-se referências estruturais.
Oswald de Andrade, com o seu famoso "Manifesto Antropófago", "Tupi or Not Tupi", inaugurou o conceito macunaíma, o conceito de antropofagia cultural, um terreno fronteiri
ço de mestiçagem cultural entre o nós e eles.
A resistência completa, a total impermeabilidade ao de fora é impossível, pois somos porosos, não somos feitos do plástico que nos cerca...  somos, ao contrário, esponjosos.

Então, o hip-hop em guarani, que nos foi exposto durante o a CNC II e o CIRCUITO INTERACOES ESTÉTICAS, mostra um caminho interessante, talvez único caminho de resistência possível, realista.
Eu simpatizo e celebro este caminho, deste tocar de dedos entre espécimes culturais diferentes - apesar de estar consciente de que este é apenas um caminho entre muitos possíveis e desejáveis. Mas gosto, principalmente, pela coragem de optar, pela liberdade de mergulhar criativamente no desconhecido.

Por isso gosto também do programa Cultura Viva do MinC, especialmente do Interações Estéticas, principalmente por esta coragem de mesclar cultura popular com artes consagradas acadêmicas + vanguarda + guetos culturais do mundo, etc

O programa tem alguns exageros que já foram apontados por mim.
Me causa certo incômodo que uma música seja chamada de negra, cafuza ou guarani.
É perigoso ver o estado escolhendo entre consensos estéticos. Me causa certo incômodo e desconfiança a interferência tutelar do estado nas artes e na cultura - que era desejável apenas como um processo de contrabalanço temporário em caráter de urgência, um "apaga incêndio". Mas há outra alternativa?

Quando tomamos todos estes cuidados com os "menos favorecidos" estamos, sem saber,
discriminando pelo avesso, reinforçando o sentimento de inferioridade de minorias
étnico-culturais através de políticas positivamente discriminatórias.
É preciso ter cuidado e não exagerar.
O blues (por exemplo) surgiu naturalmente, 

não foi inoculado in vitro por políticas culturais.

Isto aqui não é nenhuma crítica (na acepção da palavra) a políticas culturais, nem proposta,  apenas um alerta:

A realidade cultural é MUITO, 
MUITO, muito mais complexa do que aparenta.