segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

THE ARTIST




The Artist é essencialmente uma viagem histórica (pode-se dizer bem rigorosa) de reconstrução da estética da art Deco dos anos 20, la Belle Epoque. O diretor diz sobre a obra: "The Artist was made as a love letter to cinema, and grew out of my (and all of my cast and crew’s) admiration and respect for movies throughout history."

O que talvez não se tenha notado foi este resgate da poética do filme mudo, que era uma OUTRA forma de arte. Logo na primeira cena entendemos a grandeza que foi perdida: uma orquestra completa (!!) toca o score, a trilha sonora, na premier de um filme, levada a cabo em uma sala de concertos (!!). Era assim: 80 minutos de música instrumental composta para o filme, tocada ao vivo de forma sincronizada (os caras ensaiavam com o filme por dias). O The Artist ganhou o oscar de melhor trilha sonora com toda a razão, foram cerca de uma hora e meia de música, quase toda ORIGINAL, escrita para orquestra de forma magistral, cheia de alusões inteligentes à arte de orquestração de um Debussy, de um Bernard Herrmann ou do meu herói Ravel (o filme é francês). Este último compositor viveu aquela época.

A coerência do filme é espantosa, é uma aula! O filme nos ensina didaticamente o que é um filme mudo, não apenas no sentido de um Chaplin - que foi um grande artista, mas era um comediante, por isso sobreviveu a cortina de ridicularização que cercou o filme mudo após o advento do filme falado: atores como o personagem George Valentin, que faziam filmes sérios e profundos na estética antiga, caíram no ridículo. Pessoas iam aos cinemas assistir os velhos filmes mudos para GARGALHAR! Isso é apontado no enredo como uma das maiores dores do protagonista, que tenta o suicídio ao final.

A forma como o enredo foi construído é um capítulo à parte, uma outra lição. Já que não havia o recurso da palavra para explicar e aprofundar complexidades da história, o enredo tinha que ser construído dentro de uma lógica e economia de recursos que não existe hoje em dia. O uso de metáforas poéticas era abundante. Como quando Valentin sai do leilão de todos os seus objetos pessoais e o leiloeiro querendo cumprimentá-lo comete uma gafe e diz: "Parabéns, vendemos tudo que é seu, não sobrou nada do que era teu". Logo depois, o ex-ator atravessa a rua observado por Peppy Miller (a estrela que roubou-lhe a fama) e ele quase é atropelado por um carro, em frente a um cinema onde o cartaz mostrava um filme: Lonely Star. Quando a esposa aos prantos fala com um Valentin deprimido e fechado no seu silêncio: "Porque você não FALA comigo?". Quando ele é parado na saída de um cinema por uma senhora (todos pensam que ela irá cumprimentá-lo mas ela ignora-o e cumprimenta o cachorrinho), ele responde aos elogios: "Se ele apenas pudesse FALAR..." e por aí vai, dezenas de metáforas bem colocadas vão descrevendo o abismo em que o personagem mergulha.

O filme foi tão genial e surpreendente que ganhou Cannes, Brittish Academy (12 nomeações e 8 prêmios) , 6 globos de ouro e 5 oscars da Academia. Entendo que alguns possam encontrar defeitos nele pelo excesso do uso de clichês e apropriações. O filme aparentemente parece ser incorreto politicamente (um filme "branco", racista, que mostra afrodescendentes apenas como primitivos tribais africanos), mas até isso foi colocado dentro de  rigor histórico e artístico. 

Primeiro ator e filme francês a ganhar o oscar, o que mais me agradou é que o The Artist foi o primeiro filme MUDO a ganhar o oscar desde 1927. Enfim, um resgate total! Eu gostei por razões óbvias: este resgate da poética do filme mudo vai de encontro à minha proposta atual, de fazer metafilmes musicais ao vivo.

http://www.youtube.com/watch?v=cDbYv03BeXU