sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

2014


Depois de uma longa pausa, volto a este Diario de Bordo, inaugurado em 2010 para descrever minha volta ao Brasil, após 25 anos de auto exílio no exterior. 

 
Em 2014 fez 5 anos desde que cheguei, em 8 de janeiro de 2009, com um projeto aprovado pelo MinC/Funarte de "antão" para (re)iniciar minha vida no país. Apesar de ter baixado em Salvador em julho de 2008, considero esta data como minha volta oficial. São apenas 5 anos, mas as transformações, em todos os níveis, dão a sensação de que se passaram muito mais do que apenas cinco anos. O ano de 2009, visto aqui à distância, de 2014, parece se situar a séculos de distância.



Houve mudanças impossíveis de prever, como a grande catástrofe das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011, onde moro, que descrevi no post: APOCALIPSE NA SERRA DO RIO


A maior catástrofe natural do país me pegou no miolo da área e me atingiu em cheio, mudando minha vida radicalmente. Em menos de 8 horas, 1000 pessoas haviam morrido ou desaparecido. As águas arrastaram consigo não só vidas físicas, mas muitas certezas e crenças. Desnudou "o rei", no sentido de escancarar para o conhecimento do povo a debilidade de nossas instituições políticas e da nossa infraestrutura social frente a situações de crise. O povo, como em um reflexo psicológico típico de vítimas de trauma, aparentemente já esqueceu. Quem passa pela rua Portugal ou na Praça do Suspiro à noite, se depara com um clima de festa digno das orgias etílicas das "Oktoberfest" bávaras... mas sabemos que nada poderá repor mais a crença que a Serra do Rio embalou por tantos anos de ser uma área privilegiada de moradia.




No plano nacional tivemos as manifestações de 2013. Ninguém poderia prever a extensão, a pluralidade e o alcance do movimento; que em 20 de junho de 2013 alcançou o pico de 1,4 milhão de pessoas nas ruas em cerca de 120 cidades. Esta crise pode ser comparada à catástrofe natural da Serra do Rio, sendo que os atingidos foram, principalmente, os buldogues do sistema: a grande mídia e a classe política. Uma surda batalha política se iniciou nos bastidores da informação e contrainformação sobre os significados das manifestações. 

 

Assim como na catástrofe natural, as vítimas das manifestações - a grande mídia e a classe política - parecem estar sofrendo de uma espécie de amnésia de traumatizados. Esqueceram-se já da imagem aterradora do "gigante adormecido" caminhando pelas ruas das cidades, destruindo carros, lojas e bancos. A crise das manifestações deixou outro rei nú: a crença na solidez do sistema de segurança. O Brasil é um dos países que tem mais polícias: Polícia Militar, Polícia do Exército, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Polícia Ferroviária, Polícia Legislativa, Guarda Municipal. Temos até uma "Polícia Científica", sabiam? Sem contar as inúmeras milícias e empresas de segurança privada.
 


Apesar de todo este aparato, temos um dos maiores índices de corrupção e criminalidade do mundo. Por que tanta força de segurança? Entre os motivos, tão óbvios quanto complexos, um deles se destaca acima dos outros: O Brasil foi construído em cima da mão de obra escrava e hoje detém a oitava posição como país mais desigual do mundo, abaixo apenas da Guatemala na América Latina e seis países africanos. Esperar o que?



O autor, homenageando a
Revolução Francesa
(Cambridge-2013)
Mas estamos evoluindo à duras penas de um Estado que servia apenas para proteger os privilegiados históricos - os descendentes sociais do escravismo - para um Estado na concepção moderna da palavra: um Estado de Direito. Estamos no meio do caminho, nem aqui nem lá, em uma posição de fragilidade. Este ano de 2014 vai ser importante para sabermos se daremos mais uns passos adiante ou para trás. Quem luta pelo retorno de políticas de estado alinhadas à velha estrutura hierárquica herdada do escravismo, aposta na utopia do desenvolvimentismo em um planeta cujos recursos naturais estão se exaurindo.

O fator imprevisível é que o "gigante adormecido" provou o gosto do poder; foi às ruas sem prévia permissão, forçou uma "agenda positiva" no Congresso, provou que a Grande Mídia não monopoliza a informação nem a formação de ideias e que todas as forças de segurança do Brasil talvez não sejam suficientes para contê-lo. Este é apenas um desdobramento da grande onda libertária que iniciou-se na Revolução Francesa, inundou o século XX, definindo-o, e desembocou neste século em grandes manifestações pelo mundo afora.



Estranho que nenhum historiador tenha feito até agora a óbvia relação entre o Brasil atual e a sociedade francesa pré-revolucionária, antes de 1789. Também lá uma classe privilegiada vivia alienada da realidade social e política, cercada por um muro de desigualdade social; produto de séculos de imobilidade social. Também lá a repressão mostrou-se impotente desde as primeiras manifestações. 



Na numerologia, os anos de 1789 e 2014 são reduzidos ao número 7. Número da Criação, indica o processo de passagem do conhecido para o desconhecido.

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