Depois de uma longa pausa, volto a este Diario de Bordo, inaugurado em 2010 para descrever minha volta ao Brasil, após 25 anos de auto exílio no exterior.
Em 2014 fez 5 anos desde que cheguei, em 8 de janeiro de 2009, com um projeto aprovado pelo MinC/Funarte de "antão" para (re)iniciar minha vida no país. Apesar de ter baixado em Salvador em julho de 2008, considero esta data como minha volta oficial. São apenas 5 anos, mas as transformações, em todos os níveis, dão a sensação de que se passaram muito mais do que apenas cinco anos. O ano de 2009, visto aqui à distância, de 2014, parece se situar a séculos de distância.
Houve mudanças impossíveis de prever, como a grande catástrofe das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011, onde moro, que descrevi no post: APOCALIPSE NA SERRA DO RIO
A maior catástrofe natural do país me pegou no miolo da área e me atingiu em cheio, mudando minha vida radicalmente. Em menos de 8 horas, 1000 pessoas haviam morrido ou desaparecido. As águas arrastaram consigo não só vidas físicas, mas muitas certezas e crenças. Desnudou "o rei", no sentido de escancarar para o conhecimento do povo a debilidade de nossas instituições políticas e da nossa infraestrutura social frente a situações de crise. O povo, como em um reflexo psicológico típico de vítimas de trauma, aparentemente já esqueceu. Quem passa pela rua Portugal ou na Praça do Suspiro à noite, se depara com um clima de festa digno das orgias etílicas das "Oktoberfest" bávaras... mas sabemos que nada poderá repor mais a crença que a Serra do Rio embalou por tantos anos de ser uma área privilegiada de moradia.
No plano nacional tivemos as manifestações de 2013. Ninguém poderia prever a extensão, a pluralidade e o alcance do movimento; que em 20 de junho de 2013 alcançou o pico de 1,4 milhão de pessoas nas ruas em cerca de 120 cidades. Esta crise pode ser comparada à catástrofe natural da Serra do Rio, sendo que os atingidos foram, principalmente, os buldogues do sistema: a grande mídia e a classe política. Uma surda batalha política se iniciou nos bastidores da informação e contrainformação sobre os significados das manifestações.
Assim como na catástrofe natural, as vítimas das manifestações - a grande mídia e a classe política - parecem estar sofrendo de uma espécie de amnésia de traumatizados. Esqueceram-se já da imagem aterradora do "gigante adormecido" caminhando pelas ruas das cidades, destruindo carros, lojas e bancos. A crise das manifestações deixou outro rei nú: a crença na solidez do sistema de segurança. O Brasil é um dos países que tem mais polícias: Polícia Militar, Polícia do Exército, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Polícia Ferroviária, Polícia Legislativa, Guarda Municipal. Temos até uma "Polícia Científica", sabiam? Sem contar as inúmeras milícias e empresas de segurança privada.
Apesar de todo este aparato, temos um dos maiores índices de corrupção e criminalidade do mundo. Por que tanta força de segurança? Entre os motivos, tão óbvios quanto complexos, um deles se destaca acima dos outros: O Brasil foi construído em cima da mão de obra escrava e hoje detém a oitava posição como país mais desigual do mundo, abaixo apenas da Guatemala na América Latina e seis países africanos. Esperar o que?
O autor, homenageando a Revolução Francesa (Cambridge-2013) |
O fator imprevisível é que o "gigante adormecido" provou o gosto do poder; foi às ruas sem prévia permissão, forçou uma "agenda positiva" no Congresso, provou que a Grande Mídia não monopoliza a informação nem a formação de ideias e que todas as forças de segurança do Brasil talvez não sejam suficientes para contê-lo. Este é apenas um desdobramento da grande onda libertária que iniciou-se na Revolução Francesa, inundou o século XX, definindo-o, e desembocou neste século em grandes manifestações pelo mundo afora.
Estranho que nenhum historiador tenha feito até agora a óbvia relação entre o Brasil atual e a sociedade francesa pré-revolucionária, antes de 1789. Também lá uma classe privilegiada vivia alienada da realidade social e política, cercada por um muro de desigualdade social; produto de séculos de imobilidade social. Também lá a repressão mostrou-se impotente desde as primeiras manifestações.
Na numerologia, os anos de 1789 e 2014 são reduzidos ao número 7. Número da Criação, indica o processo de passagem do conhecido para o desconhecido.
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