Em julho de 1999 estava eu com o meu grupo Gui Mallon Ensemble na terraça do Grand Hotel Suisse Majestic, tomando café da manhã em frente ao estonteante panorama do Lago Geneve . O grupo era formado por alguns dos melhores músicos suecos: Jonas Knutsson e Anders Hagberg (sax e flauta), Santiago Jimenez, David Bjorkman (violinos), Jonas Franke-Blom (celo), Stafan Wingefors (baixo), Finn Bjornulfsson (percussão), onze ao todo.
Estávamos ali tirando uma foto clássica, celebrando o estrondoso sucesso dos nossos dois concertos no Festival de Jazz de Montreux, que foram gravados ao vivo e seriam lançados anos mais tarde pela gravadora americana Adventure Records. Este momento, segundo muitos, talvez tenha sido o topo da minha carreira musical.
Até aí eu tinha investido todos os meus esforços em reprimir (sim, esta é a palavra: reprimir) minhas necessidades de expressão artística por outros meios que não a música. Visava o triunfo profissional e pessoal através do único caminho que nos é permitido enxergar: a especialização máxima. Exatamente neste ponto, em que eu deveria cash it in, (faturar), tive uma tremenda crise existencial. Como se eu fosse um homossexual reprimido que subitamente explode. Larguei a produção dos meus 3 grupos e fui me refugiar numa praia qualquer no Brasil. Lá comecei a pintar
FACE FEMININA - 290 x 190 mm. Aquarela |
e escrever poesia, como fazia quando era adolescente, sem nenhuma outra intenção que não o simples prazer estético.
Hoje, relativamente em paz comigo mesmo, depois de ter feito posgraduação em Artes na Escola Superior Valand da Universidade de Gotemburgo, ter abandonado meus grupos e minha firma de produção musical, ter me metido em projetos artísticos coletivos e multimidiáticos na Suécia e no exterior, lançado CDs e livros escritos, gravados e ilustrados por mim; feito traduções de manuais para maquinaria de hidroelétricas, ter atuado como ator, etc, entendi que a especialização que o sistema econômico nos impõe não é natural ao ser humano.
Hoje me considero um artista conceitual. O conceito que eu busco, na verdade desde o início dos meus primeiros esforços de expressão artística através da música até a minha atual militância cultural, é uma utopia: busco a liberdade completa de expressão do conteúdo através da liberdade formal completa. Este é um projeto político-artístico, no sentido político que Josef Beuys dava à arte, como “Ciência da Liberdade”.
É impossível fazer arte sem se expressar politicamente e se relacionar aos problemas sociais que nos cercam. Uma arte que se pretende “apolítica” já faz a opção política de auto excluir-se do esforço coletivo, mas não se exclui do processo político: atua como vetor pseudoinerte, sendo carregada pelas decisões do coletivo. A arte que eu busco diz respeito ao maior problema com que se defrontou a espécie humana: o problema ambiental. Um problema que está nos levando ao impasse malthusiano. Minha arte se relaciona a nossa equivocada visão de felicidade, onde TER é mais importante do que SER. Estes valores foram acentuados por Henry Ford (inventor da produção e do consumo em massa) e seu estereotipado sistema de produção em série, onde a hiper-produção e o hiper-consumo nos levaram a hiper-especialização.
O mercado continua a funcionar nestas premissas: manufaturação em série, maximização da lógica da efetividade, expansão máxima de si mesmo. A intervenção do Estado nas artes deveria objetivar a proporcionar uma reserva natural que garantisse os direitos e liberdades dos cidadãos. Mas como, se funciona utilizando-se da mesma lógica de efetividade e maximização expancionista do mercado?
Sobre minhas relações com o estado, escrevi o ensaio-testemunho abaixo
(para leitores categoria meio-pesado):
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Sobre minhas relações com o estado, escrevi o ensaio-testemunho abaixo
(para leitores categoria meio-pesado):
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MACROARTE E O ESTADO ARTISTA
Uma utopia/distopia sobre um Estado que dominaria a quintessência da arte de fomentar arte democrática - feita pelo povo para o povo - através de políticas culturais.
1. Eu, artista-Estado
Quando estava concluindo este artigo me vi engolfado na catástrofe das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde moro. A experiência do meu drama pessoal em meio a um ambiente apocalíptico determinou a cor das pinceladas finais ao artigo. Peço perdão então aos acadêmicos pelo que pode ser considerado excessivo uso de linguagem metafórica, mas menciono aqui em minha defesa o cientista James Lovelock, no seu pertinente livro “The Revenge of Gaia”, que sugere a linguagem metafórica como alternativa linguística a incapacidade da ciência de descrever (e muito menos solucionar) problemas de complexidade multidimensional como o problema ambiental, que necessita ser compreendido pela maioria maciça da população humana para poder ser enfrentado realisticamente. Não podemos resolver o problema ambiental sem envolver sua causa capital; os próprios seres humanos. Um problema urgentíssimo, que não pode esperar que a totalidade da população humana cole grau em geologia. Um problema mais que científico; cultural, e por conseguinte, político. Um problema que tem que ser encarado com visão holística, com lógica sistêmica, além do alcance do raciocínio reducionista baseado na lei de causa e efeito.
Da mesma maneira, creio que o maior problema das políticas culturais também é a exclusão provocada por uma linguagem protocolar, acadêmica, cunhada entre 80-50 anos atrás, que torna o acesso aos recursos do Estado no campo da cultura através dos editais um privilégio das classe A e B. Especialmente daqueles instruídos nas universidades federais. Este nicho, ou capitania hereditária cultural, não importa que Estado se pretenda construir ou que facção política esteja no poder, defende as fronteiras do seu território dentro do Estado com unhas e dentes, principalmente através da linguagem estatal materializada na máquina burocrática, forjada por eles mesmos, e que sempre se manterá inacessível a maioria da população (enquanto perdurar o atual sistema econômico).
E neste ponto, reconhecendo que o planeta se apequena e que tudo está cada vez mais interligado e interdependente, fazemos um círculo holístico completo e voltamos a Gaia, ou melhor, a guerra que estamos travando contra Gaia (ou nós mesmos). E aqui faço uma analogia a outra das metáforas de Lovelock: O que aconteceria se o Brasil invadisse o território de um país vizinho? O país vizinho declararia guerra ao nosso país. Pois invadimos como espécie dominante o território de outras espécies. E estamos, sem saber, em guerra contra Gaia, o pior e mais formidável inimigo que poderíamos ter. Precisamos urgentemente de um tratado de paz que só poderá ser escrito com ajuda da arte e da cultura. Arte, aqui, considerada não como produto mas como a “ciência da liberdade” do artista alemão Josef Beuys, como a semente que é cultivada pela cultura, como estética que busca a ética (individual e política).
Apesar de já ter realizado muitos projetos culturais que envolveram verba pública no exterior, apenas duas vezes – em toda a minha vida – tive a oportunidade de realizar projetos artísticos autônomos para o Estado brasileiro. Na primeira vez, nos meus vinte anos, antes de iniciar meu longo exílio por países do Hemisfério Norte, toquei com o trio Pau e Corda uma série de concertos didáticos em escolas públicas de cidadezinhas do interior do Estado do Rio de Janeiro. Na segunda vez, já como artista plástico, quando fui agraciado com o Prêmio Interações Estéticas (Funarte-MinC) para realizar o Mosartes-Mosaico de Artes&Gente, um projeto multi midiático de criação coletiva na Oficina Escola de Artes de Nova Friburgo/RJ, prêmio este que me trouxe de volta ao Brasil após uma ausência de 25 anos.
Destas duas vezes ficou a sensação de enorme entusiasmo e orgulho por estar prestando um serviço público ao meu país. Na verdade, sentia-me como um pequeno representante do aparato estatal brasileiro no campo cultural; sua parte centesimal, ou melhor dizendo, milionesimal. Estava sendo pago por verba pública, o sagrado sangue do povo, e tinha que justificar cabalmente aquele investimento. Assim pensava (e ainda penso). Na extensão destes sentimentos e destas responsabilidades, estava representando algo muito maior do que eu, o artista, mas o eu-responsável pela aplicação de uma política pública cultural que seria forjada in situ, no campo de ação.
Não poderia tocar qualquer música ou apresentar qualquer conceito estético sem antes, por escolha própria, ter estas ações antecedidas por reflexões sobre seu conteúdo social, seu alcance formativo (no sentido político, cultural) e seu significado simbólico e histórico, para que estas fossem então contextualizadas a partir destas reflexões. Neste sentido – e nestes campos de ação periféricos aos centros urbanos onde se plasma os consensos políticos culturais do país - desde a escolha entre dois acordes até a escolha entre duas cores, as pequenas decisões que eu tomei tornaram-se política pública aplicada. Tornei-me um opus in locus ambulante. Fui uma fronteira do Estado brasileiro. Eu, artista-Estado.
Após minha segunda intervenção como “artista-Estado”, durante este magnífico período experimental que foi a gestão Gil-Juca, tive a oportunidade de participar ativamente de palestras, exposições,