sábado, 12 de novembro de 2011

ARTE CONTEMPORÂNEA no FINAL DOS TEMPOS

DEMOCRACIA - Obra coletiva: 220 mãos. 2700 x 600 mm. Técnica: aquarela, guache, lápis, cusparadas, hands on, etc, sobre papel 120 gr. Posteriormente digitalizado e montado em um mosaico fotográfico de 36 peças.






Em julho de 1999 estava eu com o meu grupo Gui Mallon Ensemble na terraça do Grand Hotel Suisse Majestic, tomando café da manhã em frente ao estonteante panorama do Lago Geneve . O grupo era formado por alguns dos melhores músicos suecos: Jonas Knutsson e Anders Hagberg (sax e flauta), Santiago Jimenez, David Bjorkman (violinos), Jonas Franke-Blom (celo), Stafan Wingefors (baixo), Finn Bjornulfsson (percussão), onze ao todo.
Estávamos ali tirando uma foto clássica, celebrando o estrondoso sucesso dos nossos dois concertos no Festival de Jazz de Montreux, que foram gravados ao vivo e seriam lançados anos mais tarde pela gravadora americana Adventure Records. Este momento, segundo muitos, talvez tenha sido o topo da minha carreira musical.

Até aí eu tinha investido todos os meus esforços em reprimir (sim, esta é a palavra: reprimir) minhas necessidades de expressão artística por outros meios que não a música. Visava o triunfo profissional e pessoal através do único caminho que nos é permitido enxergar: a especialização máxima. Exatamente neste ponto, em que eu deveria cash it in, (faturar), tive uma tremenda crise existencial. Como se eu fosse um homossexual reprimido que subitamente explode. Larguei a produção dos meus 3 grupos e fui me refugiar numa praia qualquer no Brasil. Lá comecei a pintar
FACE FEMININA - 290 x 190 mm. Aquarela
e escrever poesia, como fazia quando era adolescente, sem nenhuma outra intenção que não o simples prazer estético.


Hoje, relativamente em paz comigo mesmo, depois de ter feito posgraduação em Artes na Escola Superior Valand da Universidade de Gotemburgo, ter abandonado meus grupos e minha firma de produção musical, ter me metido em projetos artísticos coletivos e multimidiáticos na Suécia e no exterior, lançado CDs e livros escritos, gravados e ilustrados por mim; feito traduções de manuais para maquinaria de hidroelétricas, ter atuado como ator, etc, entendi que a especialização que o sistema econômico nos impõe não é natural ao ser humano.

Hoje me considero um artista conceitual. O conceito que eu busco, na verdade desde o início dos meus primeiros esforços de expressão artística através da música até a minha atual militância cultural, é uma utopia: busco a liberdade completa de expressão do conteúdo através da liberdade formal completa. Este é um projeto político-artístico, no sentido político que Josef Beuys dava à arte, como “Ciência da Liberdade”.

É impossível fazer arte sem se expressar politicamente e se relacionar aos problemas sociais que nos cercam. Uma arte que se pretende “apolítica” já faz a opção política de auto excluir-se do esforço coletivo, mas não se exclui do processo político: atua como vetor pseudoinerte, sendo carregada pelas decisões do coletivo. A arte que eu busco diz respeito ao maior problema com que se defrontou a espécie humana: o problema ambiental. Um problema que está nos levando ao impasse malthusiano. Minha arte se relaciona a nossa equivocada visão de felicidade, onde TER é mais importante do que SER.  Estes valores foram acentuados por Henry Ford (inventor da produção e do consumo em massa) e seu estereotipado sistema de produção em série, onde a hiper-produção e o hiper-consumo nos levaram a hiper-especialização.

O mercado continua a funcionar nestas premissas: manufaturação em série, maximização da lógica da efetividade, expansão máxima de si mesmo. A intervenção do Estado nas artes deveria objetivar a proporcionar uma reserva natural que garantisse os direitos e liberdades dos cidadãos. Mas como, se funciona utilizando-se da mesma lógica de efetividade e maximização expancionista do mercado?

Sobre minhas relações com o estado, escrevi o ensaio-testemunho abaixo
(para leitores categoria meio-pesado):



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MACROARTE E O ESTADO ARTISTA 

Uma utopia/distopia sobre um Estado que dominaria a quintessência da arte de fomentar arte democrática - feita pelo povo para o povo - através de políticas culturais.

1. Eu, artista-Estado
Quando estava concluindo este artigo me vi engolfado na catástrofe das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde moro. A experiência do meu drama pessoal em meio a um ambiente apocalíptico determinou a cor das pinceladas finais ao artigo. Peço perdão então aos acadêmicos pelo que pode ser considerado excessivo uso de linguagem metafórica, mas menciono aqui em minha defesa o cientista James Lovelock, no seu pertinente livro “The Revenge of Gaia”, que sugere a linguagem metafórica como alternativa linguística a incapacidade da ciência de descrever (e muito menos solucionar) problemas de complexidade multidimensional como o problema ambiental, que necessita ser compreendido pela maioria maciça da população humana para poder ser enfrentado realisticamente. Não podemos resolver o problema ambiental sem envolver sua causa capital; os próprios seres humanos. Um problema urgentíssimo, que não pode esperar que a totalidade da população humana cole grau em geologia. Um problema mais que científico; cultural, e por conseguinte, político. Um problema que tem que ser encarado com visão holística, com lógica sistêmica, além do alcance do raciocínio reducionista baseado na lei de causa e efeito.



Da mesma maneira, creio que o maior problema das políticas culturais também é a exclusão provocada por uma linguagem protocolar, acadêmica, cunhada entre 80-50 anos atrás, que torna o acesso aos recursos do Estado no campo da cultura através dos editais um privilégio das classe A e B. Especialmente daqueles instruídos nas universidades federais. Este nicho, ou capitania hereditária cultural, não importa que Estado se pretenda construir ou que facção política esteja no poder, defende as fronteiras do seu território dentro do Estado com unhas e dentes, principalmente através da linguagem estatal materializada na máquina burocrática, forjada por eles mesmos, e que sempre se manterá inacessível a maioria da população (enquanto perdurar o atual sistema econômico).  

E neste ponto, reconhecendo que o planeta se apequena e que tudo está cada vez mais interligado e interdependente, fazemos um círculo holístico completo e voltamos a Gaia, ou melhor, a guerra que estamos travando contra Gaia (ou nós mesmos). E aqui faço uma analogia a outra das metáforas de Lovelock: O que aconteceria se o Brasil invadisse o território de um país vizinho? O país vizinho declararia guerra ao nosso país. Pois invadimos como espécie dominante o território de outras espécies. E estamos, sem saber, em guerra contra Gaia, o pior e mais formidável inimigo que poderíamos ter. Precisamos urgentemente de um tratado de paz que só poderá ser escrito com ajuda da arte e da cultura. Arte, aqui, considerada não como produto mas como a “ciência da liberdade” do artista alemão Josef Beuys, como a semente que é cultivada pela cultura, como estética que busca a ética (individual e política).

Apesar de já ter realizado muitos projetos culturais que envolveram verba pública no exterior, apenas duas vezes – em toda a minha vida – tive a oportunidade de realizar projetos artísticos autônomos para o Estado brasileiro. Na primeira vez, nos meus vinte anos, antes de iniciar meu longo exílio por países do Hemisfério Norte, toquei com o trio Pau e Corda uma série de concertos didáticos em escolas públicas de cidadezinhas do interior do Estado do Rio de Janeiro. Na segunda vez, já como artista plástico, quando fui agraciado com o Prêmio Interações Estéticas (Funarte-MinC) para realizar o Mosartes-Mosaico de Artes&Gente, um projeto multi midiático de criação coletiva na Oficina Escola de Artes de Nova Friburgo/RJ, prêmio este que me trouxe de volta ao Brasil após uma ausência de 25 anos. 

Destas duas vezes ficou a sensação de enorme entusiasmo e orgulho por estar prestando um serviço público ao meu país. Na verdade, sentia-me como um pequeno representante do aparato estatal brasileiro no campo cultural; sua parte centesimal, ou melhor dizendo, milionesimal. Estava sendo pago por verba pública, o sagrado sangue do povo, e tinha que justificar cabalmente aquele investimento. Assim pensava (e ainda penso). Na extensão destes sentimentos e destas responsabilidades, estava representando algo muito maior do que eu, o artista, mas o eu-responsável pela aplicação de uma política pública cultural que seria forjada in situ, no campo de ação.


Não poderia tocar qualquer música ou apresentar qualquer conceito estético sem antes, por escolha própria, ter estas ações antecedidas por reflexões sobre seu conteúdo social, seu alcance formativo (no sentido político, cultural) e seu significado simbólico e histórico, para que estas fossem então contextualizadas a partir destas reflexões. Neste sentido – e nestes campos de ação periféricos aos centros urbanos onde se plasma os consensos políticos culturais do país - desde a escolha entre dois acordes até a escolha entre duas cores, as pequenas decisões que eu tomei tornaram-se política pública aplicada. Tornei-me um opus in locus ambulante. Fui uma fronteira do Estado brasileiro. Eu, artista-Estado.


Após minha segunda intervenção como “artista-Estado”, durante este magnífico período experimental que foi a gestão Gil-Juca, tive a oportunidade de participar ativamente de palestras, exposições,
conferências, seminários, etc, onde tive contato direto com pessoas vinculadas ao centro do poder público cultural; servidores da Funarte, do MinC, de Secretarias de Cultura, autarquias, etc. Pude então constatar que, de maneira paradoxal, assim como eu, estes burocratas faziam o mesmo percurso que eu fiz como delegatários de políticas públicas culturais, na medida do melhor entendimento individual de cada um, apenas que em direção inversa; do Estado em direção as artes. Estes servidores estavam buscando lapidar, consciente ou inconscientemente, um “Estado-Artista”.


Nestes encontros, entre eu, artista-Estado, e eles, Estado-artistas, existia um verdadeiro oceano de terceirizados; as CNPJs. Estas instituições fazem parte do grande fenômeno cultural dos nossos tempos, o que eu chamo de Macro arte, macro esculturas socioculturais ou arte institucionalizada, um ser anfíbio entre a arte e a cultura (desenvolvo o conceito mais amplamente no capítulo 4). 


Uma macro arte antes domínio quase exclusivo das grandes S/As da iniciativa privada, através da Lei Rouanet, agora era feita também por pontos de cultura; dirigidos na sua maioria por gestores culturais profissionais formalizados em ONGs, OCIPs, institutos,etc. Sendo que as ONGs, durante a gestão Gil/Juca, estavam sendo visivelmente privilegiadas como delegatárias das políticas públicas culturais. A situação das ONGs/pontos de cultura é muito interessante do ponto de vista político cultural porque se apresentavam as vezes como interlocutores da “cultura popular” (interlocutores do povo), as vezes como formadores/interlocutores de políticas públicas através do conceito de gestão compartilhada. Mas sobretudo como ambos. Essa bipolaridade não foi isenta de tensões. Essas tensões são fáceis de compreender por qualquer pessoa que já iniciou uma empresa própria e passou a ser seu próprio patrão e empregado: torna-se extremamente difícil recusar pedidos de aumentos salariais. No caso dos pontos de cultura; contas estouraram, excessos foram cometidos e, infelizmente, o espírito do serviço público ao qual eu me referi acima foi, algumas vezes, brutalmente ferido. Em defesa dos pontos de cultura posso dizer que “nunca antes neste país” se ousou realizar um programa cultural de tamanha envergadura, abrangência e complexidade. Foi um salto no escuro e fomos, todos que participaram da aventura de uma maneira ou de outra, parceiros do futuro.

Aqui estamos, no momento em que escrevo este ensaio, no futuro pós-Cultura Viva.
A atual conjuntura mundial parece indicar que não teremos nem a abundância de recursos dos anos Lula, nem a facilidade de se dispor de recursos públicos sem um enquadramento mais rigoroso no conceito de responsabilidade fiscal. Mas eu gostaria de vislumbrar o futuro do futuro, ao mesmo tempo que expondo minha experiência pessoal como artista autônomo, artista-Estado coordenador do projeto Mosartes-Mosaico de Artes&Gente. Vou tentar descrever o que foi, o que poderia ter sido e o sonho utópico que nós do Mosartes gostaríamos que fosse.


Sobre utopias, penso nelas como alavancas, como números transcendentes (pi) ou dízimas periódicas; como na divisão do número 1 pelo número 3, cujo resultado infinito (0,3333 etc) nunca alcança um número exato. O que importa não é o resultado, mas o caminhar na direção certa. Sou, por exemplo, comunista apartidário. Creio que a busca do bem comum é o vetor que deve direcionar minhas ações. Acredito que, ainda que o bem comum nunca seja alcançado integralmente, caminhar nessa direção é o certo e necessário. Esta é a minha utopia, minha dízima periódica. Tenho extremo respeito e amor pelos utopistas, e incluo definitivamente o Celio Turino, mentor do Cultura Viva, no panteão dos meus heróis utopistas históricos.

Na minha própria utopia, sonho com um território livre entre o Estado-artista e os artistas-Estado, alcançado através de mecanismos diretos; leis escritas e disponibilizadas nas diversas linguagens brasileiras: legal, oficial, coloquial, caipira, gíria, ou simplesmente tupiniquim. Para que o povo se aproprie do Estado, objetivo último da democracia, temos que começar pela apropriação da linguagem estatal, não esperar que o povo se transforme em sábios Democratus e suba ao nível “areté” (virtude, origem de aristocracia).  

Na minha utopia, sonho com centros de produção artística que seriam instrumentos públicos/instalações físicas; assim como as praças, os hospitais, as escolas e as estradas também o são. O acesso do cidadão a estes recursos deveria ser igualmente desburocratizado, independente de editais, licitação pública ou de qualquer partido político que esteja transitoriamente no poder. Porque se continuarmos a pensar arte e cultura principalmente como “patrimônio imaterial e simbólico”, ou seja, coisas subjetivas não-factíveis para a maioria dos mortais, nunca iremos concretizá-las integralmente através de políticas públicas. Verbo concretizar, aqui, no sentido de caminhar utopicamente na direção do Estado que dominaria a quintessência da arte de fomentar arte democrática,  feita pelo povo para o povo. 


Quem ainda retém o maior poder de concretização em termos estéticos, culturais ou formativos é o mercado. E é este consenso estético formado pelo mercado que - desde que nascemos -  nos veste dos pés à cabeça, determina que filmes vamos ver, que música vamos ouvir, que livros vamos ler, que pensamentos vamos pensar e, mais grave, que estilos de vida vamos ter. E quando a maioria da população, paradoxalmente, perde o poder de optar enquanto imersa neste oceano de opções que é a vida contemporânea, desembocamos na problemática de magnitude apocalíptica a que se refere James Lovelock e outros ambientalistas. Mas a poesia nos oferece uma luz no final do túnel: se a “vida é uma invenção”, como propõe Ferreira Gullar, então não cabe a arte apenas “retratar a realidade” de modo estético, mas inventar ou reinventar realidades. Só assim poderemos entender inteiramente a afirmação de Beuys, de que “arte é a ciência da liberdade”. O estudo e a aplicação desta ciência pelos artistas-Estado talvez seja a última fronteira da ciência política.


2. A Miragem, Utopia (ou o Sonho Brasileiro)
Os aviões que decolam do aeroporto do Galeão costumam não sobrevoar a parte leste da baía, seguindo direto por outras rotas. Por alguma razão que eu desconheço, o boeing que me levou para o exterior naquele dia de maio de 1983 deu uma volta inusual na Baía de Guanabara, mostrando como em um filme propagandístico o Pão de Açúcar, o Corcovado e o além-mar. Olhei o Cristo lá embaixo, fechei os olhos e pedi:  “Senhor, fazei com que eu nunca mais volte para este país de merda”. Conselho: tomem cuidado com o que se pede, pois vocês podem ser atendidos.

Naquele momento, pensando que estava dizendo um sonoro não a todas as injustiças pelas quais passei desde que nasci, estava na verdade me expulsando do paraíso. O Brasil, para mim, não era diretamente um paraíso, mas sua imagem invertida; uma miragem, ou oásis pelo avesso: minha vida no Brasil era um viver confinado a uma ilha desértica cercada de verde. O verde, neste caso,  era o paradisíaco “Sonho Brasileiro”. Este sonho secular, que pode ser definido como o desejo primal de congraçamento inter-racial, intracultural, visão de abundância paradisíaca compartilhada, como foi vislumbrado de forma clara já na certidão de nascimento; na carta de Pero Vaz de Caminha. Ou na poesia abolicionista do séc.XIX, no Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, etc, para citar apenas alguns célebres documentos literários dessa busca utópica.

Tupi or not Tupi, a realidade dos anos 80 era outra: um artista que não produzisse uma arte concebida intencionalmente com um mínimo de apelo comercial, ou que não tivesse relações no aparato cultural do estado, estava confinado a esta ilha desértica cercada do verde que vos descrevo. As oportunidades estariam sempre além do alcance dos dedos. Exatamente como uma miragem. 

No exterior, de qualquer modo, consegui realizar e expandir o meu potencial como pessoa, artista e profissional. Vi nascer a internet e a telefonia móvel nos anos 90, tecnologias que demarcaram a linha que separou os séculos. Vi a queda do Muro de Berlim que decretou o “fim do mundo” marxista, presenciei o total triunfo do Consenso de Chicago nas estratégias econômicas e na forma pela qual a economia mundial foi globalizada; colocando um fim a Guerra Fria, o que significou também um triunfo para outro tipo de consenso, cultural; o CASE - consenso anglo-saxão europeu, que passou a ser adotado até mesmo pelos países pós-socialistas. Parecia, enfim, o fim da dialética. The world spoke English. O mundo falava inglês, agora também na voz da emergente cultura digital.  Não há como deixar de traçar um paralelo histórico entre o ocaso das ideias e experiências socialistas no pós-Guerra Fria com a restauração dos regimes monárquicos após o período napoleônico, que encerrou o primeiro ciclo de expansão dos ideais da Revolução Francesa. Mas aqueles ideais terminaram por voltar com mais força, e se estabelecer como norma.


Durante este período de profundas transformações, continuei vindo ao Brasil anualmente, permanecendo as vezes por longos períodos, mantendo contato intenso com a arte e com a cultura brasileira. Mas, tendo minha vida econômica centralizada fora do país, vivenciei o fenômeno “flamboyant”; o choque cultural de ser visto como espécie rara, com estranheza.


De volta ao Brasil depois de 25 anos ainda fui visto de maneira estranha e ainda entendi o país como um paraíso parcialmente vislumbrado, só que agora a imagem era mais nítida, mais forte e mais próxima. A miragem parecia ser coletiva. O desaparecimento da tensão dialética do exterior havia sido estranhamente incorporada na vida cultural do país, tendo como base princípios diametralmente opostos. Aqui se buscava escapar do consenso que havia triunfado lá fora. Esta foi, a meu ver, a marca que distinguiu a gestão Lula das anteriores; a busca não de um alinhamento geopolítico, mas de um espaço independente próprio. O Brasil era um outro país, definitivamente, bem diferente daquele de um quarto de século atrás. Tínhamos enriquecido, sofisticado o Estado, ampliado sua capacidade de ação em todos os aspectos. O MinC teve sua verba triplicada e o inchaço buscava escoamento, o que explica uma certa rapidez na busca de interlocutores na sociedade civil.


Deparei-me então, de um lado, com um consenso monolítico dos artistas-Estado em torno das ações do MinC (na maioria envolvidos com alguma ONG-ponto de cultura). Do outro lado, por parte dos artistas independentes, não-Estado, o silêncio. Talvez porque estes últimos estavam desnorteados ou ainda mantinham suas esperanças de serem beneficiados, de alguma forma, pela generosidade agraciada aos pontos de cultura? Não creio. Acredito que o Cultura Viva foi a grande marca da gestão passada porque ousou sonhar o “Sonho Brasileiro”. No momento de sua implementação todos ficaram com a respiração suspensa, em expectativa, como se num estádio de futebol lotado o atacante do nosso time se aproximasse sozinho da área inimiga, na iminência do gol da vitória que explodiria a catarse coletiva esperada a cinco séculos. No exato momento do chute, nestas situações, a respiração se prende e o silêncio no estádio é tão absoluto que é possível ouvir-se o tic tac do relógio do vizinho. Mas a bola foi na trave, chacoalhando a rede pelo lado de fora. 

Ainda há gente gritando gol até agora, achando que a bola entrou ... enquanto outros reclamam do juiz.
3. Mosartes-Mosaico de Artes&Gente. Vivendo o Sonho Brasileiro.

 "Antes eu ouvi falar que arte é cultura. Agora eu sei."
(Fulano,  15 anos, participante do projeto Mosartes-Mosaico de Artes&Gente)

Dia 7 de janeiro de 2009 entrei na sala do recém-empossado Secretário de Cultura de Nova Friburgo, um dos encontros que eu havia planejado como parte das articulações institucionais que eu teria que fazer antes de dar início ao projeto. A Oficina Escola de Artes de Nova Friburgo já era um ponto de cultura, que envolvia mais duas escolas de arte; uma em Olaria, outra em Riograndina. Seus idealizadores, artistas locais como o falecido ator Carlitos Marchon, entre outros, haviam iniciado o projeto em 2002 com “uma mão na frente outra atrás”, tendo como único recurso o aval da Prefeitura Municipal de Nova Friburgo para ocuparem o histórico casarão da praça Getúlio Vargas. Criaram uma escola alternativa que fornecia, exclusivamente para alunos da rede pública, cursos gratuitos de artes integradas: circenses, teatro, música, artes plásticas, cultura digital, etc

A prefeitura gostou, empregou os professores, mas, num primeiro momento, não deu nenhum outro recurso. Para as despesas extras a Associação de Pais e Amigos da Oficina Escola reunia contribuições para pagar material didático e outros custos. Um caso típico para o programa Cultura Viva. Agraciada pelos editais do Cultura Viva, a OEANF, agora centro de um complexo cultural chamado Pontão de Cultura da Serra do Rio, tornou-se um vibrante centro de experimentação e aplicação de didática da arte, transformando-se com seus 2000 alunos no mais importante instrumento da recém-criada Secretaria de Cultura.

A ideia foi extremamente revolucionária para os padrões da cidade porque, pela primeira vez, crianças de comunidades da periferia, na sua maioria oriundas de famílias da parte de baixo do triângulo socioeconômico, tinham agora a possibilidade de fazer cursos de artes, coisa que antes era privilégio exclusivo de crianças das classes A e B. Em cima disto, surgia um eletrizante “efeito cascata”; alunos de violão espiavam as aulas de dança, cujas alunas iam espiar os meninos palhaços ou acrobatas das pernas de pau, que foram integrados nas peças de teatro de rua, etc. Tudo isso tendo como pano de fundo o sentimento e a certeza de pertencimento agora compartilhado pelos alunos de baixa renda, que vinham da periferia (com vale transporte) para o prédio mais bonito da cidade, no meio da praça central. Antes residência do Barão de Nova Friburgo, sede da aristocracia política, antiga Prefeitura e Câmara Municipal, agora estava sendo ocupado por crianças de diversas etnias; negras, mulatas, ameríndias, caboclas, etc, pulando passos de balé pelas escadarias de mármore imperial. Uau! 


Aquilo era um lugar feliz. Fiquei andando por ali com os braços vermelhos de tanto me beliscar. Simplesmente não conseguia acreditar que eu estava vivenciando e fazendo parte, como protagonista, finalmente, do tão almejado Sonho Brasileiro.


Mas vieram as eleições de 2008 e os partidos de oposição tomaram o poder. De um momento para o outro surgiu uma grande necessidade de se questionar a ocupação do imóvel, a estratégia didática ali aplicada, a “discriminação” que implicava a exclusividade concedida aos alunos da rede pública, etc, etc. E tudo isso justamente quando eu cheguei para realizar o projeto (agraciado em dezembro de 2008). “Deus não dá asas a cobras”, diz um velho ditado da região. Estávamos numa parceria público-privada onde, como sempre, os protagonistas políticos de ontem fizeram rodízio e sumiram. A visita ao novo secretário de cultura se fazia necessária, pois era a PMNF que pagava os salários dos mais de vinte professores e funcionários do Pontão. No meio desse quadro delicado desci de pára-quedas com a proposta de realizar um projeto de arte contemporânea que era experimental até mesmo para os padrões suecos. A minha presença atrapalhava os planos de desmonte da Oficina Escola de Artes e a sua transformação em museu, desejo da aristocracia local. 

Eu era um artista renomado, espécie de herói local, que havia “vencido no exterior” e que voltava agora sob a chancela do MinC e da Funarte para realizar um projeto ousado que duraria três meses. Fui tolerado e seus planos temporariamente adiados. 


Na verdade, economicamente, eu já obtivera os recursos para a realização do projeto e não dependia de ninguém. Só esperava que, de alguma forma, pudéssemos coordenar algumas ações, pelo bem comum. O projeto teve que esperar o fim das férias de verão para ser iniciado, dois meses que aproveitei para organizar, planejar, obter informações e conhecer as pessoas que trabalhariam comigo. Participei de todas as reuniões de professores que eu pude, fui angariando simpatias, apoios e adesões. Formei minha equipe e comecei a selecionar os participantes. A seleção se fazia necessária, pois não havia como incluir toda a escola, diretamente, em um projeto onde se pretendia aprofundar seriamente um método de criação coletiva experimental, multi midiático, perturbador, de resultados e consequências imprevisíveis.

Uma palavra sobre criação coletiva e democracia: ser criativo e “polipolar” considero seja o “normal” da condição humana. O normal é ser Da Vinci. Anormal é o atual estado de repressão criativa e embrutecimento dos sentidos (perda de empatia) que a extrema especialização nos colocou, algo que Charles Chaplin já denunciava há quase 100 anos no seu filme Tempos Modernos. Henry Ford sublimou a especialização ao máximo, criou o conceito de produção em série nas linhas de montagem e as bases de um novo sistema econômico calcado no consumismo. Dessa forma, sem saber, Henry Ford foi um dos desenhistas sociais mais influentes do século XX. Na verdade, o “sistema Ford” ainda perdura, estamos atingindo o seu apogeu neste início de século.

Baseado em um postulado anti-Ford (somos todos Da Vinci) dei ignição ao Mosartes e a “experimentalização” da minha utopia. Os participantes assinavam um termo de compromisso simples onde se propunham a “exercitar formas de artes nunca antes experimentadas”, a “ser cara de pau”, a aceitar a disponibilização das obras resultantes pelo Creative Commons, entre outros pontos; a Carta Magna do projeto. 


Democracia é um sistema político. Política vem da palavra polis, de origem grega, que quer dizer cidade. O que marcava as cidades não era o casario, mas suas áreas públicas, principalmente as praças. O grego antigo quando usava a palavra polis devia estar se referindo a praça pública, onde se realizavam os debates políticos. Na praça (polis) se fazia política, daí a origem do termo. Seguindo essa linha de raciocínio, creio que a principal função do Estado é “cuidar da praça”, cuidar do espaço público, do bem comum, para que os cidadãos exercitem a democracia e construam o que tem que ser construído.


Ali estava eu artista-Estado, portanto, na praça que montei para os participantes, mais de cem, distribuídos mais ou menos em grupos de dez cada. Busquei a heterogeneidade, a mescla entre elementos oriundos de diversos segmentos socioculturais, diversas preferências sexuais, enfim, buscando representar a imensa fauna social da diversidade brasileira. Procurei a minha maneira o Sonho Brasileiro.  A “praça” era um quarto onde havia uma mesa com papel, tintas, máquina fotográfica, filmadora, microfones, equipamento de gravação, computador, instrumentos musicais, máscaras e roupas de teatro, etc. Nas primeiras sessões sentávamos ali e ficávamos olhando para as coisas e para as nossas caras. Todos esperavam que eu fosse dar alguma ordem ou direção. Eles esperavam por mim e eu esperava por eles. Neste primeiro momento quis que todos entendessem claramente que não havia hierarquia pré-concebida, e que eu era apenas mais um entre os participantes. É fato que temos diferentes potencialidades, e que essa diversidade, quando tratada com igualdade (respeito) pode subitamente se “eletrificar” e convergir em objetivos comuns causando efeitos colaterais imprevisíveis que fortalecem a ideia de cidadania; de magnificação das ações, de empoderamento, de  mais-valia.


Começávamos a conversar e logo atividades iam sendo sugeridas e colocadas “em plenário”, para aprovação. As escolhidas eram postas imediatamente em prática. É difícil descrever o imprevisível processo de surgimento de ideias artísticas e da disseminação destas ideias, mas o ping-pong de ideias entre os grupos foi o que formou o mosaico coletivo multi midiático e, com ele, o sentimento de igualdade dentro da diversidade, quinta-essência do Paraíso, como vislumbrado no Sonho Brasileiro. O resultado pode ser apreciado parcialmente, mas satisfatoriamente, no site: www.mosartes.org

O surgimento e a experimentação da ideia (criação artística) e sua instantânea ou rápida tipificação, cultivo e disseminação pelos demais indivíduos ou grupos (cultura), considero tenha sido uma micro experiência macro artística. Macro artística porque criação artística coletiva, arte que já surge em forma de cultura.

4. Explicando os conceitos de Macro arte e Estado Artista
 A ideia de macro escultura sociocultural é parcialmente inspirada no conceito análogo que J. Beuys inaugurou há cerca de 50 anos (escultura social), tornando-o mais abrangente. Na formulação de Beuys estão implícitas três matrizes composicionais: 

a) o da atividade multi midiática 
b) o de uma escultura conceitual, elaborada dentro de um princípio de unidade, ou “moral artística”, elemento estruturador da obra  
c) opus in locus, escultura realizada no local e no tempo da exposição (performance).

De fato, dentro da ideia de escultura social, Beuys foi um dos inventores da performance, chamada por ele de “actions”, em que o cotidiano e o entorno é incorporado a obra e a obra ao entorno, ampliando a definição, a aplicação, o espaço e o tempo da arte para além do atelier. As performances de Beuys também eram esculturas sociais, uma obra de arte que só se realiza completamente quando envolve (ou dissolve) o observador, o objeto e o criador. Ou seja, um desdobramento do rompimento de fronteiras que a arte conceitual sugere; onde a obra é recriada pelo olhar do observador. Escultura social seria então o viver artístico que transpassa as fronteiras entre o individual e o coletivo, entre exceção e norma; entre arte e cultura. Macro escultura sociocultural é a escultura social feita não por um indivíduo, mas por um coletivo. Esta arte ou macro arte, só é possível através de uma identificação ou reconhecimento do código semiótico pela coletividade, seguida de alguma forma de interação.


A arte coletiva do Mosartes - criada por indivíduos ou pequenos grupos - recriada, rearranjada, disseminada e tipificada pela totalidade dos participantes no campo de ação, tornou mais claramente visível para os envolvidos o formidável manancial milenar de cultura artística comum a todos nós; nosso DNA cultural; a capacidade que a espécie humana tem de identificar inteligência estética (ou significado estético, se preferirem) nas combinações de formas, cores, sons, palavras, gestos; sejam elas baseadas no espectro da luz solar, na série harmônica, no ritmo cardíaco, na linguagem ou em outras combinações que - no atual momento contemporâneo - podem ser criados tanto pelo próprio ser humano quanto pelas suas máquinas. 


Quando Beuys diz: “ arte é a ciência da liberdade”, tenta colocá-la na pauta política do dia, como algo pertinente a todos nós. O que justifica, assim, outro dos seus insigts; “todo ser humano é um artista”. 

Pausa para respirar e para um acordo tácito: Vamos convencionar que arte é o que qualquer indivíduo decida definir como arte. Artista é quem (ou quê) faça algo considerado arte por qualquer indivíduo. Essa pode ser considerada uma abordagem levemente perturbadora, principalmente para as pessoas que engajaram suas vidas, de algum modo, nos valores hierárquicos da antiga meritocracia do “Consenso” (uma palavra para substituir a antiga “Sistema”?). 

Com a internet e o advento da era da informática e o correspondente uso generalizado do computador, chegamos nestes últimos dez anos a formação espontânea das macro esculturas socioculturais digitais, em que centenas, milhares ou, mesmo, milhões de pessoas, se empenham em trabalhos artísticos em rede. Estes trabalhos artísticos em rede são, na sua maioria, multi midiáticos. Partindo de contribuições individuais que se coletivizam à revelia, estas macro esculturas socioculturais se estruturam seguindo certos parâmetros técnicos que terminam por ser também estéticos, dando uma certa unidade estrutural a macro-obra.  É a macro arte do séc.XXI. Exemplos desta macroarte, por parte do mercado, são o Youtube, o Myspace, o Facebook, o Twitter, os blogs, etc, uma macro arte multi midiática que invade o cotidiano coletivo, escultura social institucional.

O Youtube é uma das maiores, senão a maior, macro escultura sociocultural digital da atualidade. Pode ser comparado a um imenso formigueiro, onde as formiguinhas (os usuários) trabalham incessantemente, gratuitamente, ativa ou passivamente, como editores, publicadores ou consumidores de vídeos, levantando um dos maiores monumentos contemporâneos de diversidade cultural. A “rainha-mãe” deste formigueiro é a instituição econômica Google, cujos donos, Larry Page e Sergey BrBrintinham 25 anos quando a fundaram em 1998. O faturamento bruto da Google através de anúncios em 2009 foi de 23,651 bilhões de dólares.

No caso das macro esculturas socioculturais estatais, os croquis são os editais. Os editais são mais restringentes; limitam o número de co-autores, são mais restritivos quanto aos direcionamentos estéticos, significados éticos e socioculturais. Poderíamos dizer que o Estado é co-autor de macro esculturas socioculturais mais ambiciosas do ponto de vista artístico e social. Enquanto o mercado busca na arte o produto, o Estado visa metas ético-estéticas, políticas, socioculturais. Exemplos recentes de macro esculturas socioculturais de estado são o programa Cultura Viva, o Mais Cultura, editais da Funarte ou de empresas estatais como a Petrobras.

Essa co-autoria escultural tem raízes no mecenato do passado. Existiriam as pirâmides sem os faraós? Existiria a Capela Sistina, com sua magnífica coletânea de afrescos, sem o direcionamento dos papas Sisto IV e Júlio II? Ou a maravilhosa música de câmara de J.S. Bach, se não fosse no estilo italiano preferido do Duque de Weimar? Pode-se questionar o valor autoral destas interferências do passado, mas na arte contemporânea, cada vez mais coletiva, apropriadora, ready-made, processo que teve início com a fotografia, com o cinema, com Marcel Duchamp e outros, talvez não seja tão absurdo repensar os paradigmas de autoria, ou de direito autoral.

A obrigatoriedade do uso das logomarcas institucionais, expressa em todos os editais, pode ser considerada, sim, uma assinatura coautoral. Que isso seja assumido!


5. Fim da utopia. Início da utopia distópica.

 A internet é algo bom. Ela consegue pacificamente o que sociedades repressoras não conseguiram em milhares de anos: confinar metade da população humana a um espaço de um metro quadrado por indivíduo, por oito-dez horas diárias em média, consumindo pouquíssimo ar, água e energia. Será economicamente essencial que nós mantenhamos pouca locomoção no futuro e níveis ainda menores de uso energético. 


Nos seus aspectos mais positivos a digitalização da vida contemporânea preserva o meio ambiente com produtos como e-book, mp3, mp4, videogames, etc. Nos aspectos negativos ela nos torna não-presenciáveis, lacônicos, obesos, assexuados e, quando a energia acabar ... teremos que reaprender a viver. 


Ainda que, num exercício de futurologia, a ciência consiga resolver o cheque-mate do problema ambiental, ou mesmo que não consiga, o sistema econômico e a liberdade de ação terão que passar necessariamente por transformações radicais, pois em ambos cenários o espaço para a vida humana será muito, muito mais restringido. No primeiro caso, este espaço será restringido pela explosão demográfica. No segundo, pela falta de espaço habitável causado pela destruição do meio ambiente. 


O psicólogo C. Jung, em 1911, antes portanto da segunda revolução industrial causada por Henry Ford, fez uma célebre psicoanálise do povo americano publicada no N.Y Times, onde ele apontou como psicopatia o fato da vida social na América ser obsessivamente centrada no trabalho. Cem anos depois o mundo inteiro incorporou este modus vivendi (inclusive nós de cultura tropical/mediterrânea). Na minha utopia a humanidade abandonará o trabalho não-indispensável. Abandonará a indústria pesada, o transporte automotivo individual, a linha de produção em série, o comércio, o consumo e a agricultura, retornando os territórios agropecuários a Gaia. Comeremos deliciosos alimentos sintetizados como fazem os astronautas ( como Lovelock sugere). No tempo livre, que será a maior parte do nosso tempo, nos encontraremos nas praças, os espaços públicos cuidados por nós artistas-Estado, para fazer a segunda melhor coisa da vida em Pasárgada: pesquisar a ciência da liberdade.

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* cito o filósofo Wittgenstein para justificar a ausência de citações de pé-de-página. No seu Tractatus Logico-Philosophicus ele declarou “não ter interesse em saber o quanto seus  pensamentos foram antecipados por outro pensador, pois não tinha, detalhadamente, pretensões à originalidade.”




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