terça-feira, 6 de novembro de 2012

É o Destino


                                                                                                   
Pensava eu no alto da noite, na minha tradicional e gostosa "hora da insônia", e pensava nessa coisa que chamamos "destino". Vira e mexe me reaparece o termo, como se fosse uma bola plástica submersa entre as ondas mentais; afundando e voltando à consciência, ao sabor das ondas: Destino. Des ... ti ... no.  Esta última sílaba "no", ao final, sempre me provoca uma ligeira náusea, quase-dor, porque relaciona a palavra à negação, ao não, a tudo que me foi negado na vida por causa desse tal de desti-no-Nooooo. "É o Destino".  O sentimento místico de direção, sentimento de destino; chamem como quiserem - intuição, dejàvú - é a característica psíquica mais forte dos humanos, força motriz dos acasalamentos, principal baluarte das religiões e mesmo de ideologias políticas. É perigosíssimo relacionar estas duas palavras: destino e política. E ainda mais perigoso relacionar destino com amor.

"Você é bom com as palavras", mencionou uma ex-namorada num muchocho, expressando desprezo, rancor e tristeza. Na verdade, foi a maneira sucinta que ela encontrou na ocasião para calar a minha boca, disassociando tudo o que eu dizia de qualquer substância comunicativa, fechando a porta da interação. "São apenas palavras", estas minhas palavras esquisitas, pretenciosas, inteligentes ou não; que pretendem mudar dinâmicas existenciais ou ter algum fundamento na cultura, na história ou na arte. Minhas palavras são, para essa ex-namorada, nada mais que "palavras". Sons desprovidos de sentimento ou sentido. Senti-me condenado por possuir palavras, por ser artista, poeta, músico, enfim, por ser o que sou. É o destino.

Talvez, se eu acreditasse que minhas palavras pudessem ter algum alcance, eu teria dito: Imagine, moça, um ser humano sem palavras? Uma bio-estátua. Será este o novo modelo de virtuosidade da contemporaneidade: o laconismo total, a estatualização? Ser "cool" como os norte-europeus nos seus personagens cinematográficos, com sua economia de gestos lentos e estudados. Mas, tivesse eu dito estas palavras, elas teriam resvalado nos ouvidos já petrificados daquela mulher. Nada é mais terrível do que a invisibilidade. O castigo da invisibilidade é amplo e irrestrito: castiga os dois lados da moeda da comunicação. À revelia.

A visão do outro só é possível através do compartilhamento de valores comuns, aquilo que chamamos cultura. E se cultura também for destino?  Quem pode garantir que não é? As vezes um indivíduo muda o curso da história de maneira radical: Jesus, Maomé, Robespierre, Hitler, Lenin ou Lennon, (depende da perspectiva). Provavelmente estes indivíduos também sentiram-se imbuídos, em algum momento, da intuição do destino ou do sentimento de missão histórica. Não me é estranha esta sensação, talvez seja algo comum a todos nós. Nem sempre estas intuições procedem (o que impede a confirmação da teoria), mas elas tornam, ao menos, o enredo da vida mais interessante. Saber por exemplo que Abraham Lincoln disse à sua esposa, horas antes de ser assassinado, que gostaria de visitar a Terra Santa. Saber que este homem determinado (que reformou seu país apenas por acreditar que todo homem tinha direito à vida, à liberdade e a busca da felicidade), foi assassinado por outro homem determinado, me faz pensar em ... "destino".

Hoje é dia de eleição presidencial nos Estados Unidos. Temos de um lado o presidente Obama, representante da civilização contemporânea. Do outro, o mórmon Romney. Me parece inconcebível que a cultura americana, que já esteve na vanguarda do pensamento livre, possa produzir um impasse destas proporções, nos trazendo um protagonista que parece ter saído diretamente da cultura do século XVII. Talvez tenhamos todos que emigrar para os EUA, para que a "America" possa, finalmente, ver o mundo e o seu tempo?