terça-feira, 23 de agosto de 2011

O SISTEMA CULTURAL BRASILEIRO - Autismo Socioeconômico

Palácio Capanema no Rio de Janeiro - sede da Funarte e do MinC-RJ
Recebi panfletos de servidores públicos da área cultural pedindo apoio às suas justas reinvidicações de aumento e expansão do funcionalismo. Meu primeiro impulso foi pular da cadeira e ir juntar minha voz aos seus gritos na praça pública. Certamente! Claro! Óbvio! Precisamos de mais servidores,  mais dinheiro,  mais tudo pra cultura. Mas depois parei no meio do salto (imaginem em câmera lenta: um salto parado no ar ...) Refletindo. Primeiro, já não se junta mais gente nas praças públicas, coisa do passado. A gente se reúne nos espaços sociais cibernéticos. Segundo que... bem, vou tentando explicar abaixo.

Entendo a posição dos servidores,  mas aqui,  mais uma vez,  ME OPONHO! Sem uma discussão, primeiro, do papel do estado e das instituições na cultura, sou contra. Porque aí estaríamos apenas dando continuidade a algo que não funciona mais.

Tenho que apontar para o paradoxo econômico que eu vou entitular "VAZAMENTO". Metaforizando, caros artistas e gestores, se temos um vazamento na caixa d
água o que temos que fazer? Tapar o vazamento ou suprir a deficiência provocada pelo vazamento AUMENTANDO A ENTRADA DE ÁGUA? O "vazamento" é a institucionalização brutal da produção artístico-cultural iniciada pela lei Rouanet nos anos 90. Nada mudou, pelo contrário, o problema se agigantou. Continuamos a ser geridos na cultura por "piloto automático". O sistema se automatizou, transformou-se numa espécie de coluna dorsal, criou vida própria.

Temos, infelizmente por um tempo demasiado longo,  nos acostumado com o desperdício geral de verbas públicas. Nem questionamos mais o que estamos fazendo, queremos apenas continuar a fazer o errado (pois ali no meio há algumas coisas certas) e continuamos a empurrar os problemas estruturais para outras esferas (não nos pertence). Estaríamos sofrendo de autismo socioeconômico
?
Presenciei eventos MinC-Funarte há um ano atrás a custos de 200.000 reais que contaram com um público de 100 pessoas em 1 semana (2.000 reais por cabeça !!)

Aqui vos envio alguns dos meus esforços, de outubro de 2010, no sentido de sensibilizar os gestores públicos, naquele momento, para o problema da má versação de verbas. Já em junho de 2009 havia avisado a todos em uma conferência na Funarte de SP que "a festa ia acabar". Não porque o próximo governo seria "mau", mas porque a CONJUNTURA ECONÔMICA MUNDIAL iria mudar radicalmente pós-2010.

Se vocês tiverem saco pra ler; leiam, discutam e divulguem pra quem quiser (infelizmente ainda sou homem de antigamente, que me mantenho atrás do que digo e escrevo). Podem, definitivamente, ler e me cobrar depois a qualquer tempo do resto das nossas vidas o seguinte veredito:

NÓS NUNCA MAIS TEREMOS AS VERBAS CULTURAIS
QUE TIVEMOS NOS ANOS GIL-JUCA !!


E, infelizmente, fez-se MUITO POUCO com os 4-5 bilhões de reais que jorraram na cultura. A relação investimento-prestação apresentou um índice sofrível em termos de conquistas perenes.O encontro autocrítico proposto com os gestores, naturalmente, jamais aconteceu.

Desnecessário dizer que todos se divertiram muito com os bumba meu boi falsificados da classe média alta (ONGs) travestida de cultura popular, etc. Depois foi todo mundo pra Londres fazer compras, os pobrezinhos dos gestores públicos ... que hoje estão aí nos bastidores instigando os bois de piranha a passar seus chapéus raivosamente pelos órgãos públicos.

É triste todo este espetáculo de inconsciência e irresponsabilidade política! Hj a atual administração, independente dos possíveis e justificáveis questionamentos; paga o pato. Há pouquíssimo espaço para manobras. Eles herdaram uma camisa de força orçamentária.

Abçs
Gui Mallon

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---------- Forwarded message ----------
From: GUI MALLON <guimallon@gmail.com>
Date: 2010/11/9
Subject: Re: PROPOSTA DE REUNIÃO AUTOCRÍTICA
To: X, Y e Z


Prezados X, Y e Z


Ontem fui informado por X e Y  que nos encontraríamos aqui hj, terça-feira, dia 9  às 9.00 hs da manhã. Escrevo as 7.50 da manhã. Por sugestão do X, retirei desta lista o nome de W, me reservando o direito de consultá-lo posteriormente, e independentemente, sobre o tema deste nosso encontro. Naturalmente, sempre com o compromisso de não citar as vossas colocações (se assim o desejarem).

Este cuidado se deve ao fato do natural dilema que se apresenta ao pessoal vinculado ao MinC, a confusão entre "falar pela instituição" ou por si mesmo. Proponho convencionar que estaremos falando como militantes, pessoas, CPF, ainda assim com este termo informal de sigilo responsável, de fidelidade e respeito. Adiciono dois pontos de reflexão ao que já foi instigado anteriormente

POLÍTICA CULTURAL – ANÁLISE CRÍTICA & PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO ESTÉTICO/ÉTICO/METODOLÓGICO
1. Por que o Cultura Viva? (ponto de vista do artista)
A FORÇA CENTRÍFUGA QUE REGE A ARTE BRASILEIRA
A produção artistico-cultural no Brasil, no contexto dos últimos dois decênios até agora (em novembro de 2010), se dá, quase que exclusivamente, através de instituições estatais ou privadas. Estas últimas classificam-se ou declaram-se em duas categorias: comerciais ou sem fins lucrativos. Mas, depois do “anistianismo fiscal”  implantado pela lei Rouanet, todas estas categorias institucionais tem um ponto em comum: a busca da verba estatal. Os poucos artistas que se aventuram fora deste círculo institucional terminam por se enquadrar, cedo ou tarde, em uma ou outra categoria institucional de produção artística. Fora deste círculo restam apenas aos artistas o mercado, o mecenato privado, a procura de alguma fonte de renda não proveniente de atividade artística – ou – a labuta dos artesãos, feirantes, músicos/artistas de rua, entre outros, que estabelecem uma relação direta com o seu público, sem intermediários, geralmente em produções de baixo ou baixíssimo orçamento. Ainda assim, caso estas produções independentes atinjam um nível de grandeza que as levem a expandir-se além do seu círculo original, para o grande público, sentem a irresistível atração gravitacional do monólito institucional cultural brasileiro.

Em linhas gerais, enfim, é este o atual meioambiente cultural do país no qual o artista contemporâneo desenvolve sua arte. O mais importante diferencial do Cultura Viva (no meu entender, sua principal virtude) foi tentar mudar os paradigmas de qualidade em que se montavam as políticas culturais deste sistema, antes excessivamente fundamentadas no CASE - consenso estético anglosaxão europeu – e agora, buscando privilegiar o que se convencionou chamar de cultura popular brasileira; arte e cultura de raiz, tendo como público os menos favorecidos.

 
TODO ECO É OCO


Os incontestáveis avanços que este sistema cultural proporciona; o massivo patrocínio de produções artísticas, se evidenciam no atual ciclo extraordinário de expansão da indústria cultural no país.

Mais produções mais verbas → mais produtores → mais burocratas → mais cursos universitários de produção/gestão cultural → mais produções →

O coletivo é formativo. O coletivo dá forma a quê? A padrões de comportamento. Fazendo uma analogia com a formação de um ser humano, foi apontado como uma das causas da superioridade do Homem sobre outras espécies o fato do período formativo humano (infância, adolescência) ser bem mais longo e lento. No atual sistema cultural a arte parece já nascer dentro de um sistema coletivo formativo/informatizante/distribuidor/tipificador. A arte contemporânea brasileira já nasce adulta, cínica, institucionalizada. O sistema atual - BASEADO EM ECOS DE CONCENSOS - proporciona, cada vez menos, o necessário espaço lúdico para o experimento. E por que este espaço é necessário? Uma boa reflexão: Por que é necessário? Não estou falando de didática da arte, mas de invenção.

Talvez tenha chegado a hora, agora, de pisar no freio, tentar libertar a arte brasileira de consensos questionáveis e da excessiva institucionalização.

2. O DESENVOLVIMENTISMO E A QUESTÃO DA VERBA PÚBLICA


Não há como pensar qualquer coisa neste início de século (incluindo políticas culturais, arte, ciência, etc) sem ter como pano de fundo o problema ambiental.  
O desperdício de recursos  que representa políticas públicas mal planejadas não será mais possível. Deixo aqui, então, a seguinte reflexão:


nosso planeta não tem mais recursos naturais
para o crescimento econômico
necessário à sobrevivência 
do atual modelo econômico 


É simplesmente isso. (Qdo será que aparecerá alguém com coragem de encarar e nos revelar esta verdade?). A crise de escassez que se avizinha é gigantesca, está relacionada ao petróleo e virá no CURTO PRAZO. Seus sintomas já são sentidos pela comunidade mundial, com o princípio da guerra cambial, sinais de impotência da economia americana e européia, o virulento ressurgimento do pragmatismo da real politik nas relações políticas internacionais - que tantas guerras causou no passado recente.

O problema da escassez nos afetará a todos, cedo ou tarde, e tem três vertentes:
petróleo, água e terras cultiváveis.

A QUESTÃO DA ÁGUA
De acordo com o Comitê para Assuntos Climáticos das Nações Unidas, A escassez de água potável atinge 2 bilhões de pessoas. Nesse ritmo, dentro de 25 anos, serão 4 bilhões.


Os glaciares do Himalaia, por exemplo, que são a fonte das maiores bacias hidrográficas da Ásia,  podem desaparecer em 2035 (!!) à medida que a temperatura se eleva. Índia, República Popular  da China, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Mianmar podem sofrer com inundações, seguidas de estiagem nas próximas décadas. Só na Índia, o Ganges provê água potável e para a o cultivo para mais de 500 milhões de pessoas. O problema não se restringe apenas a Ásia, mas ao planeta como um todo. Teremos o pertubador impacto de centenas de milhões de refugiados batendo às nossas portas dentro de alguns anos.

A QUESTÃO AGRÁRIA
De acordo com a mesma fonte, cerca de dez por cento das terras potencialmente férteis do planeta já se converteram em desertos, e outros 25% estão em processo de desertificação. Todos os anos são perdidos oito milhões e meio de hectares (80.000 km2) apenas por causa da erosão e sedimentação.  Mais de vinte milhões de hectares (200.000 km2) de florestas tropicais são devastados todos os anos. É uma Itália por ano.

A QUESTÃO ENERGÉTICA
Alguns, sem conhecimento científico básico, argumentam que o Homem con quistará outros planetas. Seria mais fácil colonizar o fundo do mar - por si só uma tarefa gigantesca ou quase inviável - do que colonizar a Lua ou Marte. Para isso teríamos que ter pleno domínio da fusão nuclear, o que não acontecerá antes de 50 anos. Aliás o próprio fim da era do petróleo, pela escassez de recursos para investimentos em novas tecnologias que este fim representa, põe em risco o início de qualquer outro ciclo virtuoso de crescimento econômico.
Argumenta-se que podemos substituir o petróleo por outras fontes limpas, etc.Infelizmente a humanidade não fez planos a longo prazo e não há nenhuma tecnologia energética em mãos para substituir o petróleo - 
na extensão de consumo de energia que ele provê, hoje, em 2010 - OITENTA E CINCO MILHÕES DE BARRIS (um pequeno oceano diário).

E uma observação importante caros amigos: o petróleo é a única forma de energia que pode ser transportada por todo planeta, sem grandes perdas, na quantidade necessária para a crescente demanda energética.
 
O problema do petróleo não é apenas energético, o petróleo está em quase TUDO que nos cerca, é a própria espinha dorsal da economia ... e está acabando, não é renovável. As reservas brasileiras, incluindo o pré-sal, não garantem 150 dias de consumo diário mundial de petróleo,  AOS NÍVEIS DE HOJE !! As reservas brasileiras, sempre aos níveis de consumo de hoje, nos garante uma irrisória autossuficiência de apenas 10-15 anos, até 2020 ou 2025.

Não há saída, teremos um hiato de pelo menos uns 30 anos entre as eras do petróleo e da fusão nuclear (se é que vamos chegar a esta última) porque a economia entrará INEVITAVELMENTE EM DECLÍNIO.

Para enfrentar este tremendo estado de coisas que se avizinha, temos que aprender a dividir, viver com menos e, principalmente, mudar nossa visão de felicidade. Uma política cultural que tenha como base este objetivo: remodelar a felicidade, adaptando-a à escassez ao invés da abundância e ao desperdício, será de importância primordial, existencial.

Ou isso, ou a humanidade não verá a luz do séc. XXII