quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

BRASIL, MEU BRASIL BRASILEIRO - Capítulo II


trilha sonora:  Canon em Ré Maiorarranjada e tocada por Gui Mallon & Trio





Aí eu pergunto, só por perguntar: O que aconteceria se eu repentinamente tirasse o meu violão da caixa e tocasse o Canon in D Dur de Johann Pachelbel no por-de-sol da Pedra do Leme, num dia de verão qualquer, acompanhado de um quarteto ou trio de cordas?   


Aí então eu me pergunto o óbvio: E porque não no por-de-sol do Alto da favela Chapéu Mangueira, caro Gui, por que não mais 
 em cima, logo aqui ao lado? Tocar na Pedra é até fácil demais. Moradores de Copacabana, e principalmente do Leme, tem um dos mais altos índices de tudo de bom que a estatisticocracia pode proclamar: IDS- Índice de Desenvolvimento Humano; cultura, saúde, coeficiente de beleza (não sabiam? Existe!), etc, etc. Estas divagações me passaram pela cabeça enquanto sorvia minha modesta malzebier em um dos dois quiosques que ficam lá na Pedra do Leme ...


Grande parágrafo explicatório:  (desculpem-me os aficionados da cerveja nacional, mas essa é a única cerveja brasileira que eu ainda consigo ingerir. A predileção vem desde os meus tempos de criança, quando bebia escondido nas sobras dos adultos. Protagonizei o meu primeiro porre aos 8 anos de idade com meio copo da Malzebier, dando vexame irreparável na casa de um tio que morava na Vila Matilde em São Paulo, donde se reunia toda a famiglia italiana em ocasião festiva: rebolei e imitei o Elvis Presley cantando Too Much Monkey Business). Pois é...




Mas onde é que eu estava mesmo? Ah, as divagações sobre o dilema maior da grande questão da inovação na arte, ou na vida: pisar em terreno conhecido na margem do rio ou se atirar no mar desconhecido?
Não que o tricentenário Canon de Pachelbel seja algo revolucionário, apesar de eternamente intrigante, com sua base harmônica obstinada de 8 acordes, que sucedem em variações imitativas. Não. Tocar barroco alemão na praia é incomum, mas já deve ter acontecido algumas vezes. Tocar o Canon de Pachelbel ao violão acompanhado de cordas, que eu saiba, fui um dos primeiros, ou pouquíssimos, a fazê-lo. Mas tudo isso junto, sem aviso prévio, na Praia do Leme ou no Chapéu Mangueira, seria contrariar a máxima da arte  musical, ou da arte de modo geral: "dar ao público o que o público espera". Ao oferecer o inesperado, ao negar ao público o que o público espera, corre-se alguns riscos.




E voltemos (insistentemente) a Pero Vaz de Caminha:



"
 
  E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela "  (Pero Vaz de Caminha)

A nudez dos indios, tão natural para eles, era algo do outro mundo para os europeus. Tocar o manjadíssimo Canon de Pachelbel inesperadamente no Chapéu Mangueira não seria um choque tão magnífico, não. E assim divagando fui tomando minha malzebier no por-de-sol da Pedra do Leme. Para realizar essa loucura eu teria que convencer primeiro um quarteto de cordas, arranjar apoio institucional, talvez buscar verbas em editais para financiar transporte, cachês, segurança, etc, etc. Não, obrigado. Já me cansei só de imaginar. Tá bom assim como tá. Que outro roube minha ideia e a realize, com meu inteiro aval. As ideias não tem donos, não tem amarras, foram feitas para voar.






nota: Por falar em "roubar ideias", amigos me pedem para comentar sobre o Monumento aos Mortos das Chuvas na Região Serrana feito pelo Jaburú e seus associados. Será a próxima crônica desta série Meu Brasil Brasileiro. Aguardem.





Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas poesia (inexplicável) da vida.
(Drummond de Andrade)