segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

BRASIL, MEU BRASIL BRASILEIRO - capítulo 1

"Nada produz maior riqueza de definições do que as coisas indefiníveis" 


Alto do Corcovado, 26 de janeiro de 2012

trilha sonora: Navegando - composta e tocada por Gui Mallon


Olhem só o Brasil, gente. O Brasil é grande, belo, impávido, colosso.
É compreensível que todas as gerações de brasileiros, criados dentro dessa magnitude de cenários geográficos desde o início da colonização européia, tenham sonhado seus sonhos de grandeza.


"
 
 E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela "  (Pero Vaz de Caminha)


Ao ler a carta de Pero Vaz de Caminha, o que mais me impressiona 
não é a constatação do embevecimento dos primeiros europeus que chegaram ao Brasil pela exuberância da natureza tropical do Novo Mundo, nem seus relatos das visões paradisíacas, tautológicas e redundantes, mas, muito além disso; o caráter dos exploradores pré-escravagistas, ainda não inoculados pela voracidade que viria tomar conta do sistema colonial português, que traria o enriquecimento fundamentado no uso de mão de obra escrava, cujas consequências na formação cultural do Brasil se constituíram na nossa maior chaga ... e no maior obstáculo à realização dos nossos sonhos de grandeza. 


Os portugueses que chegaram à praia de Boa Viagem em 1500 haviam se iniciado no comércio escravagista, de modo incipiente, apenas 25 anos antes. Pode-se afirmar que ainda eram formados na onda das ideias humanísticas da renascença que impregnava o ambiente cultural europeu já por dois séculos. À sua maneira (e comparações à parte) eram quase tão puros quanto os indígenas que observavam. Então o que aconteceu com o colonizador? Pela Bula Dum Diversas, de 18 de Junho de 1452, o papa Nicolau V concede ao rei de Portugal D. Afonso V, e seu sucessores, a faculdade de "conquistar e subjugar as terras dos infiéis e de reduzir a pessoa deles à escravatura".  Esta medida não era tão extraordinária para a época. Talvez fosse apenas uma consequência, ou formalização, do fato real que a escravidão já era uma prática comum no continente africano desde pelo menos o século VII, como constataram os primeiros cruzados. Há também o fator econômico, a escassez de mão de obra européia (Portugal tinha apenas dois milhões de habitantes no século XVI). Muitas outras causas podem ser citadas para explicar a escravidão.
 

Seja como for, o escravagismo marcou profundamente a cultura brasileira em todos os sentidos. Está na raiz, acima de tudo, da nossa descrença patológica na justiça da estrutura do sistema político brasileiro (ou na justiça de modo geral), razão do círculo vicioso maior da nossa cultura: Porque eles não respeitam a lei, de que nos vale respeitá-la? E assim tardamos nós brasileiros, descendentes de intrépidos navegadores, em descobrir a rota que nos levaria a outros mares que não este nosso Corruptio Maris.

Mas voltemos à Pero Vaz de Caminha:
" e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma "  

O espontâneo, quase poético, reconhecimento do colonizador sobre a superioridade moral do "colonizável" é pungente, apesar de involuntária. Dentro de nós ainda vive o escravagista e o escravo, mas, paradoxalmente, também carregamos um pouco da inocência do índio e dos primeiros portugueses que chegaram ao Brasil.

Entre os meus sonhos brasileiros mais grandiosos, existe este que me diz que a poesia ainda pode explicar (e salvar) o Brasil.



"A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca"
(Drummond de Andrade)
Mas não liga non Drummond, porque como você tão bem o diz:


Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.