terça-feira, 1 de abril de 2014

Primeiro de Abril de 1964: meio século de mentiras

Não foi 31 de março, foi 1 de abril
Não foi Revolução, foi Golpe
Não foi golpe militar, foi golpe da CIA
Não foi necessário coragem, apenas oportunismo e crueldade



 

Eu tinha 10 anos de idade e morava em Itaquera, na época um bucólico subúrbio de São Paulo. A família, descendentes de trabalhadores braçais italianos conservadores, foi totalmente favorável ao golpe militar desde o início. Lembro-me apenas de ter ouvido, de diversos personagens: "Derrubaram o Jango? Para de brincadeira ô meu, quer me dar o GOLPE do PRIMEIRO de abril?" Foi assim que estas duas coisas, o "golpe" e o "1 de abril" se uniram de maneira inseparável no meu imaginário infantil. Hoje, defensores do golpe afirmam que foi a "revolução de 31 de março".


Para se fazer uma revolução é necessário um certo desprendimento; a coragem de quem está preparado para morrer por um ideal. Simplesmente não foi o caso. Nenhuma bala, nenhuma resistência, nenhum perigo. Tudo muito previsível e previamente arranjado; desde o artigo de 3 de março de 1964 no N.Y.Times afirmando que Os Estados Unidos não mais punirão as juntas militares por derrubarem governos democráticos na América Latina, uma espécie de salvo conduto, até a suposta "união das tropas para evitar derramamento de sangue". A maioria dos generais do exército já estava do lado dos golpistas. A Marinha Americana (Frota do Caribe) e a CIA estavam do lado dos golpistas. Não foi difícil obter o "apoio" do Congresso com as ameaças de cassações e, muito antes, quando o governo Lyndon Johnson injetou milhões e milhões de dólares na "Operação Brother Sam", que o embaixador estadunidense Lincoln Gordon utilizou e descreveu eufemisticamente como "encorajamento de sentimentos democráticos e anti-comunistas no Congresso, nas forças armadas, em sindicatos e grupos de estudantes amigáveis, igrejas e empresas". Empresas? A imprensa já estava amplamente contra o presidente João Goulart e a favor dos seus anunciantes.

Uma coalizão tão sensacional dispensaria o apoio do povo, que na verdade nem entendia o que estava acontecendo; pensava-se que era dia 1 de abril. E acredito que esta data foi escolhida estrategicamente, para confundir o povo e impedi-lo de acordar e reagir a tempo. Este foi um dos poucos atos inteligentes da ditadura, que era extremamente brucutu e burra. Soube de gente que foi presa porque tinha em casa qualquer livro onde estivesse a palavra "manual" no título, que os "corajosos" membros dos órgãos de repressão confundiam nervosamente com o "Manual de Guerrilha Urbana" do Marighella. Meu Deus!






O povo só foi acordar 4 anos depois, em 1968. Já era tarde. Já estava acéfalo, com seus grandes líderes mortos ou expulsos do país. O projeto de acefalia nacional foi uma das maiores realizações da ditadura militar, resultado do Golpe da CIA, do qual nos ressentimos até os dias de hoje.

Lincoln Gordon depois se arrependeu de ter colocado o Brasil nas mãos de gente tão incompetente. Em entrevista à rede ABC, em junho de 1979, Gordon confessou sentir-se "chocado com os rumos da ditadura brasileira", ele não esperava que todo o capital injetado na região (!!) fosse "literalmente para o ralo", e que o Brasil "estava mergulhando numa grande recessão, pois a política econômica se mostrou desastrosa, apesar da modernização do parque industrial".

Hoje, passados 50 anos daquela fatídica data, após a recente instauração da Comissão Nacional da Verdade - que está desvendando muitos fatos - o sentimento que toma conta do país é que a impunidade destes torturadores tornou-se insuportável e inaceitável. Vejam a maneira acintosa como estes antigos torturadores descrevem suas ações, com orgulho. O Brasil vai ter que enfrentar seu passado, como fizeram outros países, e espremer o pus desta ferida histórica, ou corremos o risco de vivermos tudo outra vez.

E para os que ainda defendem a "revolução de 31 de março", na verdade, Golpe do 1 de Abril, recomendo que leiam um pouco a história do Brasil, como escrita pelos funcionários do setor de documentação histórica do Congresso estadunidense, uma fonte considerada por eles, certamente,  acima de qualquer suspeita.