sábado, 23 de julho de 2011

VOLTA AO BRASIL II


Ou seria volta ao Brasil III ?


Na verdade, nesta minha segunda grande batalha para voltar ao meu país, houve viagens esporádicas pra fora. Cheguei em julho de 2008 em Salvador com bilhete só de ida. Recebi na chegada uma fitinha do Bonfim no punho esquerdo, o do coração. Em meados de outubro de 2008 entretanto voltei para Europa à trabalho e para trazer algumas coisas. Voltei em janeiro de 2009 com o Prêmio do Interações Estéticas nas costas. Em fevereiro de 2010 fiquei 20 dias na Suécia trabalhando. Andava sob temperaturas de -14 graus levando uma garrafinha de uísque no bolso da camisa, como se fosse uma espécie de cartão de crédito (era o meu combustível). Aqui já havia descoberto o princípio de um pequeno grande amor, mas ainda não sabia. Quando soube em fevereiro de 2011 já era tarde, fui muito lento, dancei. As coisas nos trópicos tem outra velocidade. Um pouco antes, a catástrofe serrana me jogou numa das maiores crises sócio-econômica-pessoais da minha vida. Estava no habitat natural dos que duvidam de si mesmo; o que eles chamam nos EUA de “deep shit”. Fui obrigado então a voltar pra Escandinávia. Pensei que dessa vez havia definitivamente perdido a batalha. Planejei ficar lá até saber o que fazer, o que pelos meus cálculos não seria antes da chegada do inverno europeu em dezembro. O inverno, nesta altura dos acontecimentos, exerce sobre mim o efeito de repulsão dos campos magnéticos. Dia 14 de junho de 2011 fiquei sabendo que ganhei o “Novos Autores Fluminenses” da Secretaria de Estado de Cultura-RJ. Aí, voltei. Vejam só na foto o meu ar de alívio flutuando sobre a Baia de Guanabara.
Por mais que aqui estejamos, nosso olhar vem sempre de outro lugar, outro tempo.
E este olhar muda a paisagem ...




Quero ficar no Brasil. Por que não consigo?
Existe um duro provérbio-conselho inglês que diz:
”You give people a second chance, never a third”
Dê as pessoas uma segunda chance, nunca uma terceira.
Aqui estou eu na minha segunda chance de volta ao Brasil.

O Brasil que meu olhar encontrou na primeira viagem era mais bonito e sonhador. Quase uma festa. Estávamos embevecidos pelas nossas conquistas em todos os campos, inclusive no campo cultural, e esquecemos de sedimentá-las; questionando e aprimorando através da autocrítica. A autoindulgência ainda não era considerado crime.

Amigos me dizem que eu devo mergulhar na psiquê nacional e ficar calado. “Quem fala muito dá bom-dia à cavalo”, diz um deles. Mas aí eu retruco com a historinha do Sapo e do Escorpião:

O sapo estava para atravessar o rio quando um escorpião aparece e pergunta: “Você não pode me levar para o outro lado?”. O sapo responde de pronto: “Eu heein! Você quer é me dar uma ferroada”. Ao que o escorpião retruca: “Tá louco sapo? Se eu te picar você morre e aí vamos pro fundo do rio eu e você”. Era um argumento lógico e o sapo concordou. Quando estavam no meio do rio o escorpião vai lá e CRAU, enfia o ferrão venenoso no sapo. O sapo solta um grito de terror e exclama desesperado: “O que você fez? Agora nós vamos morrer”. Para ouvir o escorpião dizer: “Sinto muito sapo ... mas é a minha natureza”.

Não há  muito que fazer. Cada um segue a sua própria natureza.
Como diz o samba popular:
Tudo está em seu lugar. Graças à Deus. Graças à Deus.

Gui Mallon









quarta-feira, 13 de julho de 2011

ANNA KARENINA – livro de Tolstoi, e o Amor no Final dos Tempos


O livro se inicia assim: "Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira".

A trama gira em torno do caso extraconjugal da personagem que dá título à obra, uma aristocrata da Rússia Czarista que, a despeito de parecer ter tudo (beleza, riqueza, popularidade e um filho amado), sente-se vazia... até encontrar o impetuoso oficial Conde Vronski.

Ela abandona a família pelo seu amor, para descobrir de maneira dolorosa que o Conde era apenas um mulherengo, e que, para ele, ela não passava de uma aventura carnal. A descoberta tira-lhe o sentido de viver e ela termina por suicidar-se. O que essa história tem a ver com a situação atual?

Hoje em dia, apesar de estarmos alcançando os limites dos recursos naturais do planeta, vivemos uma fartura tão grande de tudo, que estamos sempre querendo mais. Somos consumistas atrozes, implacáveis, INSACIÁVEIS. Queremos sempre o último modelo. Há sempre um produto melhor (sonho de consumo) a ser alcançado. A escada da Felicidade nunca chega ao fim. Até o amor se submeteu a essa lógica da voracidade. Até o amor virou objeto de consumo e passou a ser descartável, substituível.

Quem ama de verdade sabe que tem um pacto de felicidade: Não se pode ser feliz deixando a ex-pessoa amada infeliz atrás de si. Quem ama (ou amou) tenta cuidar do sentimento alheio, ainda que – sabemos - ninguém pode se responsabilizar INTEIRAMENTE pelos sentimentos de outrem.

Mas... ainda há tempo para estas delicadezas?

______

Por que postei essa reflexão?
Por nada. Estou livre, descompromissado ... mas cuidando sempre de quem cuida (ou cuidou) de mim

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Moto Perpetuo


Concerto de Friburgo

Nenhuma direta motivação/implicação sociopolítica econômica, apenas o fazer musical para um momento que nasceu de outro momento. Nenhuma subvenção, logomarca, agradecimentos a editais de instituições públicas ou privadas, autarquias ou DAs ... a música e o evento estão sendo subvencionados pelas pessoas que desejam este momento: nós mesmos, alguns friburguenses que ainda estão tocados no fundo da alma pela tragédia do dia 12 de janeiro.

Um memorial musical. Parcialmente improvisado, parcialmente reconstruído dos clássicos. Entrarei no palco levado pelo coração (por mais piegas que isto possa parecer, mas é a verdade), com nenhuma intenção outra que não seja compartilhar um momento com outras pessoas.

Por si só algo raro no nosso meio cultural, algo religioso, (de religare), mas sem instituições de qualquer natureza diretamente envolvidas.

Que momentos serão plantados deste momento é algo que só posso imaginar, mas sei que independente de qualquer expectativa, o amor sempre gera frutos por si só.

O Amor é o tal do "moto perpetuo".

quinta-feira, 14 de abril de 2011

violeta

VIOLETA 






O que é o que é?


Algo qualquer
lugar nenhum
momento breve
fugidio
violeta
entra em nós
(invisível)
tornando palavra
imagem, odor, sentimento
num ecoar iluminado




 ou como diria a voz ancestral:
             “farol incrustado
                          no campanário
                                                              d’alma”





Algo mais amplo
e profundo
que a reminiscência


O que é o que é?


Leve dor suave
dor leve alegre
branda dor
suave e
violenta





Saudade


domingo, 6 de março de 2011

São Paulo S/A. a ministra Ana de Hollanda e a gestão participativa

O que São Paulo S/A(*) tem a ver com a ministra Ana de Hollanda e com gestão participativa?
* um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos - dirigido pelo paulista Luis Sérgio Person


No dia seguinte à sua posse, na verdade menos de 24 horas depois, a nova Ministra de Cultura Ana de Hollanda já sofria ataques implacáveis nas listas e blogs dos ongueiros do velho regime.  O motivo/pretexto? O discurso de posse, onde a ministra expressou sua visão em linguagem metafórica:  "a criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista". Estes ataques foram gradativamente aparecendo na midia nacional, atingindo seu atual ápice no lamentável episódio das ofensas públicas de Emir Sater a ministra.

É certo que a frase não foi colocada no discurso de posse intencionalmente com o intuito de polemizar, mas a simples menção das palavras “arte” e “artista” sempre causou um certo mal estar num meio cultural hoje dominado por gestores, produtores & ONGs. Sem entrar no mérito da questão do que é arte ou artista, simplesmente referir-se a arte, artista e direitos autorais neste meio é um convite a ser qualificado como adepto do “retrocesso”.

Realmente, depois de se exporem a humilhação de ver a plêiade dos candidatos que apoiavam (supra-sumo da intelectualidade burocrata da velha escola política - na sua maioria com raízes em São Paulo) preteridos por uma artista carioca “outsider” do sistema de política cultural implantado pelo MinC de Juca (o ministro gestor de fato de toda a gestão Lula), a comunidade de ongueiros e lobistas estava já eriçada e predisposta ao confronto desde o momento do anúncio do nome da nova ministra. O que está em questão aqui não são as propostas da nova gestão (que ninguém se deu ao trabalho de esperar serem definidas), mas os oito anos de monopólio ideológico das políticas culturais que se considerava incontestável.

Essa incontestabilidade foi fundamentada no conceito de gestão compartilhada emanado das experiências com orçamento participativo. A constituição de 1988 incorporou o direito ao exercício direto da cidadania como um dos pressupostos do Estado Brasileiro, razão pela qual são crescentes as inovações institucionais e legais tendo em vista ampliar o alcance da participação popular nas políticas públicas. A Constituição de 1988 foi feita dentro deste espírito, tendo inclusive um Plenário Pró-Participação Popular na sua Constituinte. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Na forma como foi praticado nas políticas públicas do MinC-Juca, o problema que este método criou foi o da LEGITIMIDADE DE REPRESENTATIVIDADE. Colocar 100 ou 3000 pessoas num auditório em conferências extremamente desorganizadas, sem um critério jurídico claro de seleção de participantes, em que todos gritam e ninguém escuta; um processo obscuro e não-transparente no qual um redator escreve as propostas que depois vão ser selecionadas e colocadas em papel por outro “relator”, muitas vezes previamente escolhidos ninguem sabe por quem - é uma maneira genial de criar-se uma sensação festiva de participação democrática em meio ao caos. O título do encontro da Teia 2010 em Fortaleza incluia, emblematicamente, a palavra “Tambores”. Eu pessoalmente, tendo como base as cerca de 10 conferências e encontros dos quais participei, considero este método uma forma de estelionato político da democracia. Ou, simplesmente, apropriação indébita de representatividade popular.

A representatividade é um dos baluartes da democracia, pois é impraticável (pelo menos por enquanto) colocar os 190 milhões de brasileiros no Plenário da Câmara ou do Senado. Por isso temos o que chamamos de Democracia Representativa. Esta representatividade segue regras jurídicas claras, enquanto no caso das “plenárias” promovidas pela gestão do antigo MinC os participantes eram convidados entre artistas , produtores, lobistas relacionados aos pontos de cultura ou outros programas, ou seja, dentro de sua própria clientela política. A prática criou um paradoxo jurídico e ético:
O objetivo do Orçamento Participativo é incluir o “povo” nas decisões orçamentárias que os beneficiam mas, na impossibilidade de colocar “o povo” inteiro sentado frente a frente com os seus gestores, busca-se REPRESENTANTES populares. Quando estes representantes, em número reduzido, participando de um processo de decisão seletivo (porque a economia é a ciência da escassez, ou seja, da seleção entre opções econômicas), tomam decisões que beneficiam a si próprios cria-se um problema ético-jurídico: o conflito de interesses. Este princípio ético-legal é a razão pela qual nos editais ou licitações não se permite aos membros das bancas examinadoras premiarem a si próprios, amigos ou parentes.

Passei um ano apontando para este problema nestas reuniões e sendo olhado com curiosidade, como se fosse uma espécie de profeta Gentileza perdido no meio do trânsito na hora do rush.

Em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, a gestão do PC do B no Ministério dos Esportes é acusada de turbinar caixa e políticos do partido, alegadamente distribuindo 30 milhões a ONGs, dirigentes ou aliados do partido. O jornal percorreu núcleos esportivos no DF, GO, PI, SP e SC e flagrou convênios com entidades de fachada, situações precárias e de abandono. (matéria completa aqui). O partido também geriu importantes recursos públicos do MinC durante a gestão Lula. Que se saiba, até agora, e em nenhum momento, foi feita alguma sindicância que pudesse aprofundar o entendimento sobre os fatos e as consequências das práticas desta “gestão compartilhada” aplicadas improvisadamente nas políticas públicas culturais. Esta auto-avaliação seria uma condição si ne qua non para uma evolução destas políticas públicas. Ao optar-se pelo caminho da incontestabilidade fechou-se o da dialética. E é uma pena, porque política pública também é ciência.

Walmor Chagas como Carlos no filme São Paulo S/A, de 1965 (cult)


São Paulo S/A, de 1965, mas com enredo situado na década de 50, é um dos filmes mais reveladores e emblemáticos da cinematografia nacional porque denuncia o cínico pragmatismo que a expansão industrial daquele estado impôs ao país, padrões que podemos identificar hoje na cultura política do Brasil. O desenvolvimentismo sem critérios que se implantou desde então continua a dar as cartas tanto na economia, quanto na política e na cultura. Continuamos a optar por dar prioridade (como na década de 50) aos fins antes dos meios; a quantidade ao invés da qualidade. Diante do imenso desafio da problemática ambiental, mais que denunciar, temos que enfrentar estes dogmas pragmáticos.

O filme é ótimo e atual. Recomendo veementemente.

Gui Mallon
músico, escritor e artista plástico

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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Era um piano de cauda ... e estava aberto!


A dimensão musical do viver infantil.


Aos 6 anos de idade, pela primeira vez na vida, fui colocado perto de um piano.
Os adultos foram para algum lugar dentro da casa e me deixaram esquecido na sala do piano. Era um piano de cauda, negro e esbelto como um cavalo de ra
ça ... e estava aberto.


A casa era de um membro da comunidade adventista que administrava a fábrica Superbom, juntamente com uma escola primária. Eu seria aluno interno dessa escola mas, no exato momento do meu encontro com o piano de cauda ... que estava aberto, eu ainda não sabia de nada disso.

Enquanto minha mãe conversava com a família que iria me adotar pelos próximos seis meses eu fui me aproximando do piano. Enfiei a mão por dentro do instrumento, nos seus intestinos, risquei o dedo indicador pelas cordas e ... Shazam! O piano falou comigo.

Tenho que esclarecer que eu fui filho de mãe solteira, cheio das carências típicas dessa condi
ção. Vivia então, como forma de compensação, em um mundo meio mágico, cercado de visões  e sons alucinatórios. Pois ao ouvir o estranho som intestinal do piano tive uma dessas alucinações infantis: vi, literalmente, pequenos seres que voavam em torno dos sons. Anos mais tarde, na minha adolescência, vivenciei coisa semelhante ao ouvir música sob o efeito de drogas alucinógenas. Mas na minha infância estas "viagens" ainda eram feitas in natura.

Eu assistia televisão e acreditava - sem nenhum problema - que naquela caixa iluminada viviam seres pequenininhos que falavam uma língua estranha e melodiosa, que mais tarde na idade adulta eu iria aprender;  o inglês.



"Sim, o meu cavalo também só falava inglês".


Nunca tive oportunidade de aprender a tocar piano direito, mas desde então a música passou a ser essa outra dimensão na minha vida, algo que me remete ao sonho, à imaterialidade e à comunhão com estes pequenos "seres-entidades" que chamamos de sons.


Gravei discos, vendi discos (no tempo em que discos ainda era algo que se vendia), enfim,  ganhei minha vida soltando seres pequenininhos pelo mundo afora. Sempre acreditei entretanto que a música era essencialmente um sentimento, livre, incomprável como qualquer outro sentimento. Vejo o atual desmoronar da chamada indústria musical como algo natural e inevitável. A música, essa mais subjetiva e abstrata entre as formas de arte, pode resgatar, quem sabe,  algo do humano que está esquecido no viver humano contemporâneo.

Uma música despida de egolatrias, narcisismos e ambições materiais pode conseguir isso.

Infelizmente ainda não consegui produzir essa música redentora, mas não desaprendi a sonhá-la e me deslumbrar com os sons... estes seres mágicos, pequenininhos.

FELIZ 2011!





mp3
 - música de câmara





mp3
 - jazz





segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Não podemos perder o trem da história

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL – PORQUE VOTO EM DILMA
uma exposição factual, dialética, não tendenciosa e independente

O trem da história - meu carro ou meu gato?

Um único – e suficiente - motivo


Motivo: A eleição de José Serra representaria um enorme retrocesso político, econômico e PRINCIPALMENTE cultural. Enfim, um desvio de rota fatal. Por que? Porque o candidato está irremediavelmente compromissado com o projeto político conservador, que no Brasil tem causado danos imensos a cultura e a autoafirmação do país. Sua candidatura não existiria sem o apoio das forças sociais mais retrógadas, representadas em grande parte pelo partido DEM – historicamente o grande herdeiro do conservadorismo político, que remonta aos tempos do escravagismo e das capitanias hereditárias (no qual estão fundamentados os alicérceres desta mentalidade). Pior, no contexto do urgente problema ambiental mundial, que exige desverticalizar a economia e o pensamento, Serra significa caminhar para trás. Este “caminhar para trás” pode ser FATAL para o Brasil e para o mundo.

Contra-argumento: Se a simples associação direta ou indireta com o partido DEM já seria suficiente para desqualificar qualquer candidatura, que dizer então das coligações PT-DEM que se verificaram em alguns lugares como São Bernardo-SP e Mato Grosso do Sul? Que dizer das alianças de ocasião com ex-adversários como Collor, Sarney, etc, evidentemente para criar palanques pelo Brasil afora para a Dilma? A ida ao segundo turno, contrariando as pesquisas, não confirmam uma repulsa de um segmento do eleitorado a estas manobras?

Síntese:  Pragmatismo, fisiologismo político, falta de base ideológica dos partidos são os componentes do meioambiente político do país. Quando Lula foi eleito, propôs uma composição responsável. Como resposta o PSDB e o DEM elegeram Severino como presidente da Câmara – um atestado de irresponsabilidade política. É triste a guerra inescrupulosa, pragmática, sem princípios, mas o início desta guerra e suas armas foram escolhidas pelos agressores, que desconhecem outros métodos de se fazer política.

Pior: Serra e os partidos da oposição passaram 8 anos sem apresentar propostas ou projetos sérios para o país. Se acomodaram em ficar encastelados em São Paulo, sede do capitalismo predatório e da imprensa reacionária. Mantém-se no poder naquele estado através da velha política de coligações fisiológicas que ali reina. Cada voto em São Paulo foi calculado em 230 reais. O PSDB está cada vez mais compromissado com o passado de centralização econômica e política que atravancou o progresso do país por séculos. Ex-partido de centro-esquerda, agora, com o esvaziamento do DEM, é o legítimo representante do conservadorismo.
Necessitamos de mudanças amplas, radicais. 
Dilma, sem ser uma candidata perfeita por um partido perfeito (inexistentes no cenário político nacional ou mundial), está mais vinculada as mudanças que necessitamos. O fato de ser mulher, símbolo poderoso destas mudanças, é menos importante, mesmo simbolicamente, do que o fato de ela ser a MAIS JOVEM entre os 4 grandes pretendentes e caciques políticos do país nas duas últimas décadas: FHC, Lula, Serra e ela própria. Dilma é mais capaz de entender a necessidade de mudanças do que estes outros nomes.
O Séc. XXI, a cada década que penetrarmos, vai exigir mudanças radicais de pensamento e ação, à medida que nos depararmos com o período de escassez de recursos naturais (água, energia e alimentos) que certamente virá.
A eleição de Dilma, sem significar o desejável escancaramento de mais espaços para uma discussão mais ampla do Brasil, sem dar muitas esperanças de implementação da ampla reinvenção cultural que eu desejo, caminha, de qualquer modo, em direção a estas mudanças – ao contrário do seu oponente.
Não podemos perder o trem da história.



domingo, 26 de setembro de 2010

OS DESAFIOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS - 1

Bloco de Maracatu - Olinda (PE)

Da liberdade do mundo interior surge a arte. Dentro de nós mesmos podemos ser os "mestres do nosso imaginário".
A escravidão mais lesiva é a cultural.
Qdo nos deixamos colonizar culturalmente pelo senhor,
perdemos nossa identidade e, aí,
abrem-se as portas da servidão mais enraizada.

Este é o grande perigo a ser apontado na arte e cultura de massa,
oriunda do consenso estético do hemisfério Norte - CASE, consenso
anglo-saxão europeu. A arte sedutora dos grandes centros urbanos do Primeiro Mundo
que vem com mensagens repletas de hedonismo consumista, alienantes.

Cultura não é feita de pedra, mas de material poroso (seres humanos).
Processo dinâmico sujeito a transforma
ções radicais no espaço de uma geração.

A cultura popular vai resistir ao tempo e a influência do CASE? Impossível saber.

Que devemos fazer? Interferir, ajudar financeiramente, levar este ritual artistico-cultural
para as escolas para formas novos adeptos? Vai adiantar?
Como disse
Heráclito: não se entra no mesmo rio duas vezes, e eu complemento: na segunda vez as águas do rio já são outras.

O processo é dinâmico, poroso, delicado e complexo.
Ao interferir, podemos transformar ou mesmo destruir um processo que foi desenvolvido em condi
ções sociais muito especiais; de carência, de luta pela preservação da identidade cultural, etc. Ao mudar o meio-ambiente onde estas manifestações surgiram, mudam-se referências estruturais.
Oswald de Andrade, com o seu famoso "Manifesto Antropófago", "Tupi or Not Tupi", inaugurou o conceito macunaíma, o conceito de antropofagia cultural, um terreno fronteiri
ço de mestiçagem cultural entre o nós e eles.
A resistência completa, a total impermeabilidade ao de fora é impossível, pois somos porosos, não somos feitos do plástico que nos cerca...  somos, ao contrário, esponjosos.

Então, o hip-hop em guarani, que nos foi exposto durante o a CNC II e o CIRCUITO INTERACOES ESTÉTICAS, mostra um caminho interessante, talvez único caminho de resistência possível, realista.
Eu simpatizo e celebro este caminho, deste tocar de dedos entre espécimes culturais diferentes - apesar de estar consciente de que este é apenas um caminho entre muitos possíveis e desejáveis. Mas gosto, principalmente, pela coragem de optar, pela liberdade de mergulhar criativamente no desconhecido.

Por isso gosto também do programa Cultura Viva do MinC, especialmente do Interações Estéticas, principalmente por esta coragem de mesclar cultura popular com artes consagradas acadêmicas + vanguarda + guetos culturais do mundo, etc

O programa tem alguns exageros que já foram apontados por mim.
Me causa certo incômodo que uma música seja chamada de negra, cafuza ou guarani.
É perigoso ver o estado escolhendo entre consensos estéticos. Me causa certo incômodo e desconfiança a interferência tutelar do estado nas artes e na cultura - que era desejável apenas como um processo de contrabalanço temporário em caráter de urgência, um "apaga incêndio". Mas há outra alternativa?

Quando tomamos todos estes cuidados com os "menos favorecidos" estamos, sem saber,
discriminando pelo avesso, reinforçando o sentimento de inferioridade de minorias
étnico-culturais através de políticas positivamente discriminatórias.
É preciso ter cuidado e não exagerar.
O blues (por exemplo) surgiu naturalmente, 

não foi inoculado in vitro por políticas culturais.

Isto aqui não é nenhuma crítica (na acepção da palavra) a políticas culturais, nem proposta,  apenas um alerta:

A realidade cultural é MUITO, 
MUITO, muito mais complexa do que aparenta.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Espaço da Vida Humana

Hoje, depois de subir aos céus em uma incursão pelos picos das montanhas da mata Atlântica que me cerca aqui no meu reduto na região serrana do Rio, fui violentamente jogado ao chão da realidade brutal do nosso tempo ao receber uma daquelas mensagens em cadeia entitulada: "Encontro Celestial". Vim de um encontro (verdadeiramente) celestial para outro, que de celestial só tinha o título.


Gui Mallon, fotografado por ele mesmo, no sopé da Mata Atlântica, às 6.00 hs da manhã



O que dizer sobre estas mensagens em rede? Criamos a mensagem automática, onde se replica um texto sem que precisemos pensar ou adicionar nada; basta reenviar. Um absurdo tão grande que, outro dia, uma prima que eu não via há 30 anos me encontrou no Facebook. Escreveu assim: "Oi Gui. Sou a sua prima fulana de tal, que vc não vê há 30 anos". Estas foram as ÚNICAS palavras próprias que ela me dirigiu desde então, começando imediatamente a me enviar uma bateria de mensagens deste tipo, sempre repletas de arquivos Power Point.

Recebo umas 20 mensagens deste tipo por dia, de diversas fontes.
A maioria das pessoas que eu conheço também são bombardeadas pelas mensagens "espirituais" de massa, fabricadas em série, com a mesma estrutura estereotipada. É um fenômeno social.

Me pergunto como a espécie humana pode ter chegado a um ponto de vazio interior tão grande, passados milhões de anos de evolução biológica, que tenhamos que tomar emprestado visões, idéias e construções pré-fabricadas para estabelecer nosso cotidiano? Antes, ao menos, para iniciar uma conversa falávamos qualquer besteira sobre o clima ou o transporte público.

Mas esta mensagem "Encontro Celestial" me foi enviada por alguém que eu imaginava imune a este instrumento de alienação coletiva e invasão de privacidade (ou de aura). A mensagem, de caráter político, é formulada assim:

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ENCONTRO CELESTIAL

Estava Bin Laden falando com Deus, e lhe pergunta:
"Como estará o Afeganistão dentro de 10 anos?"
Deus responde:
"Estará todo destruído pelas bombas enviadas pelos Estados Unidos."
Bin Laden se sentou...e chorou.
Estava Barak Obama falando com Deus e lhe pergunta:
"Como estará a América dentro de 10 anos?"
Deus lhe responde:
"Estará totalmente contaminada pelas bombas químicas despejadas pelo Irã."
Barak se sentou...e chorou.
Estava Dilma Roussef falando com Deus, e lhe pergunta:
"Deus, como estará o Brasil dentro de 10 anos se eu for eleita Presidente?"
Então, Deus se sentou... e chorou!

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Se eu fosse uma criança de 7 anos de idade ... teria, ao menos, me divertido um pouco.

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Respondi assim:


Querida pessoa,
vc não explica se Deus chora de tristeza ou alegria ...

mas entendo que no nível de lógica subliminar em que esta mensagem infantil foi construída não se conta que um público muito pensante e culto possa estar do outro lado, questionando semânticas, gramática e lógica. O público-objetivo  desta mensagem é outro.

Tudo bem.

Me deixou um pouco surpreso que justamente você, uma pessoa espiritualizada, mestre espiritual de seitas celticas, envolvida com cultura e arte, tenha postado algo assim, ainda mais envolvendo a palavra "Deus", banalizando o conceito de energia criadora universal que é a genesis de toda a fé.

Isto não é uma condenação, por favor me entenda.
Considere minha intervenção como uma provocação intelectual, uma oportunidade de trazer-nos para uma reflexão crítica sobre o baixo nível da atual campanha política presidencial.

A pergunta que fica no ar, independente de posicionamentos políticos, é:
Vale a pena aderir e mergulhar neste mar de absurdos?
Em que isto nos engrandeceria?

Ou,

Como mudar o mundo, sem começar por si mesmo?

Com respeito e fé,
Gui

 

Gente, comunicação é mais do que troca de palavras, signos ou significados,
é o próprio espaço da vida humana. Há que ter preocupação ecológica também com este espaço



Gui  Mallon
022-88063330
http://guimallon.blogspot.com

www.mosartes.org
www.guimallon.com

domingo, 22 de agosto de 2010

CENSURA DA REFLEXÃO CRÍTICA - antiga filosofia de poder

A ENTREVISTA QUE NÃO SAIU

O jornalista é uma pessoa pensante e quis me entrevistar para um jornal local de Nova Friburgo. Gravou a entrevista - uma conversa franca e aberta, onde expresso minhas posições, com naturalidade, sobre uma variada gama de assuntos - como acho que deveriam ser todas as conversas. Transcreveu a entrevista e enviou para o jornal. O diretor do jornal se recusou a publicar "por critérios editoriais próprios".

O que nesta entrevista feriu os "critérios editoriais próprios" do jornal local?
Vou transcrevê-la abaixo, para que possam julgar por si mesmos.



O público e o privado, o tradicional e o inovador




 Gui Mallon - fotografado por ele mesmo em Paraty-RJ
                                                    

JORNAL LOCAL: Fale uma pouco sobre a visão de mundo que você desenvolveu nessa sua vivência.

Gui Mallon: Considero o mais grave e mais sério problema da nossa época - e de toda a história humana - o desafio do meioambiente. Se este desafio não for vencido, a humanidade não vai chegar ao século 22. Todos aspectos da vida humana estão relacionados com esta problemática, inclusive a arte e a cultura. O planeta tem 40 mil quilômetros de circunferência e não vai crescer. Nós temos um sistema econômico baseado no lucro e em taxas de crescimento permanentes. Estas duas coisas são matematicamente incompatíveis entre si. Sinais alarmantes de uma crise sem precedentes estão aí por todas as partes: catástrofes naturais provocadas pelo aquecimento global, instabilidade econômica e social. A arte e a cultura, neste contexto, são instrumentos para enfrentar este desafio.

JORNAL LOCAL: Como a arte e a cultura podem contribuir para a superação desse problema?

GM: Modificando a visão que temos de felicidade. Este é o aspecto cultural desta problemática, que reside no paradigma que o consumismo criou, onde TER é mais importante do que SER. A arte e a cultura podem inverter isto, formando uma nova geração que crie um novo humanismo, que volte a acreditar que ser é mais importante do que ter. Acredito que estamos caminhando para isto. Vamos conseguir enfrentar e sobreviver a crise que virá. Pois ela virá, sem dúvida, é apenas uma questão de tempo.
Muitos milhões de pessoas vão sucumbir. Hoje falamos de refugiados, na sua maioria da Africa Subsahariana, que fogem para a Europa em algumas centenas por dia. Vamos presenciar, dentro de algumas décadas, centenas de milhões de fugitivos da seca.
O Himalaia, por exemplo, está secando. Ele é como se fosse uma antena colossal que absorve água na atmosfera e distribui pelas maiores bacias hidrográficas da Asia, para cerca de 1 bilhão de pessoas na China, India, Paquistão, etc. Quando os glaciares secarem (em 2035), enfrentaremos uma crise sem precedentes.
Tal é a gravidade do problema do meioambiente que ouso dizer isto: arte e cultura que, de alguma forma, não se inspire numa alternativa ao consumismo e sua falsa visão de felicidade (raiz de nossos problemas ambientais) é LIXO. Arte inútil e perversiva. Podemos ajudar o ser humano a enxergar um modelo de felicidade, tanto individual quanto social, que inverta esses valores que damos ao ter e ao ser. Ser uma pessoa criativa e poder interagir com as pessoas com base nisto. Costumamos dizer que a felicidade é feita das coisas mais simples: o melhor da vida é grátis.

JORNAL LOCAL: Fale um pouco sobre o que é arte e o que é cultura.

GM: Existe essa grande confusão de que arte e cultura são a mesma coisa. Não é. O papel da arte é buscar o novo, inaugurar, experimentar. Cabe a cultura tipificar, distribuir.
Meu projeto Mosartes está dentro da perspectiva da macroarte do século 21, das criações coletivas. Quando cem pessoas criam uma obra juntas já se aproxima de uma tipificação. Mas, normalmente, as duas coisas são separadas. 

E, tal como o seu projeto Mosartes, existem outros campos de saber e fazer compartilhado, não é?

GM: Hoje nós temos o Creative Commons, em oposição ao Copy Right. No CC você pode pegar, transformar, reproduzir, etc. Há obras que você tem que mencionar o autor, não pode vender, outras que permitem isto.
Esta é uma nova ideologia que se contrapõe à indústria de direitos autorais, com implicações políticas profundas. É um movimento democrático, perturbador, que coloca a seguinte proposta: uma cultura feita por todos para todos. Veja o problema da soja transgênica, por exemplo. Ela tem uma patente e um mecanismo de autoexterminação em seu DNA. Imaginem; nós estamos há 15 mil anos comendo grãos que são de domínio público. Se a soja transgênica se impor, vamos ter que pagar royalties (direitos autorais) pelos grãos que comermos. Isto seria uma tragédia sem comparação na história da humanidade. A luta sobre a questão dos direitos autorais é muito complexa e é nisto que estou metido agora.
Temos duas correntes de megaesculturas coletivas hoje em dia. De um lado o Creative Commons, o sistema Linux, a Wikipedia, todos de domínio público, abertos a comunidade mundial. Do outro lado o Windows, Myspace, Facebook, Youtube, etc. O Youtube pode ser comparado a um imenso formigueiro, onde as formiguinhas trabalham de graça, colocando seus vídeos, enquanto a formiga rainha, a Google, dona da Youtube, ganha dinheiro com a publicidade. Ao mesmo tempo que existe um modelo, está presente o outro, em que alguns poucos ganham. Aí está a grande frente da batalha cultural, na qual está em jogo a ideia de um novo humanismo e da própria sobrevivência da humanidade.

JORNAL LOCAL: Trazendo nossa conversa para a localidade, aqui em Nova Friburgo, parece haver uma inquietação muito grande, uma busca por algo que não está muito claro o que seja. Você sente isto, também?

GM: Nova Friburgo é uma das cidades mais tradicionais que eu conheço, com grande resistência ao novo. O mito da Suiça brasileira criou uma divisão muito enraizada entre dentro e fora. Os de “Dentro”, no caso, descendentes de suíços ou das famílias tradicionais, que mantém ocasionalmente o poder político. Os de “Fora” são todos os que não se ajustam. Mas como? Temos mais afrodescendentes mestiços com portugueses do que descendentes de suiços. O jovem friburguense está querendo se cosmopolitizar, virar Brasil. Aliás, Friburgo já é uma pequena metrópole, com mais de 200 mil habitantes. Paradoxalmente existe também uma busca por uma cultura alternativa, que é uma coisa que já vem de muitos anos ...

JORNAL LOCAL: ... como Geração Bendita?

GM: Ah! É. Posso chamá-los de “minha geração”, porque conheci quase todo o elenco. Cheguei aqui adolescente em 1968 para estudar na Fundação Getúlio Vargas. Casei-me em Friburgo em 1973 com uma pessoa que é irmã de um dos músicos do filme Geração Bendita. É interessante notar que Friburgo, sendo reduto deste conservadorismo incrível, essa coisa meio medieval de famílias “nobres” com seu séquito obsequioso, servil, sempre teve parte da sua população metida com o novo e o alternativo. Este contraste é uma coisa maravilhosa, ao mesmo tempo difícil e instigante! Enfim, aqui não se é friburguense impunemente.





terça-feira, 10 de agosto de 2010

Diario de Bordo

Há cerca de dois anos voltei para o Brasil depois de passar um quarto
de século viajando pelo Hemisfério Norte.


Ao chegar no aeroporto de Salvador, vindo de
Madrid, uma baiana de um grupo tradicional,
que recepcionava os turistas no saguão de entrada, me colocou
uma fitinha azul do Senhor do Bonfim no pulso
esquerdo. Esta fitinha está comigo até hoje apesar de
bem carcomida.


O desejo que eu fiz não posso revelar, mas
ele está se cumprindo, pouco a pouco.


Vou descrevendo neste blog meus espantos
e choques culturais decorrentes da minha volta.
O momento brasileiro parece um momento que
eu vivi nos idos de 1990, quando em trajeto
contrário me deparei com uma Espanha cheia de contrastes.
Em uma ruela perto de Plaza Mayor vi duas mulheres
vestidas de negro que se cruzavam em direções opostas;
uma jovem punk e uma viúva tradicional;
a Espanha nova, sedenta de cultura européia e a Espanha antiga,
que parecia estar de luto pelo próprio desaparecimento
lento e gradual. A cara de Franco, em 1990, ainda estava nas
moedas de duros (25 pesetas). Um jovem sorriu diante do meu espanto
e me explicou que "o ditador tinha tão pouca importância naquele
momento que a gente nem mesmo se dá ao trabalho de trocar as moedas".


É mais ou menos assim com a presença do Brasil de Ontem
no meio do Brasil de Hoje.


O Brasil de Ontem que vai ficando pra trás no retrovisor,
tem sua imagem estatualizada nos ícones da Tv Globo:
William Bonner, Fátima Bernardes e o indefectível
Galvão Bueno. Até o Jô Soares, antes
tão criativo, hoje tornou-se repetitivo como um papagaio
lesado. O histérico Jabour, os artistas globais turbinados,
Roberto Carlos... meu Deus, Roberto Carlos
50 years later. Ninguém se dá ao trabalho de substituí-los.
Deixam eles se gastarem por si mesmos como as moedas
da época de Franco, como estátuas em jardins públicos.


O Brasil de ontem - um Brasil racista, discriminador, corrupto,
também está presente, ainda. Suas cores e formas cada vez mais
contrastantes (já não conseguem existir na confortável invisibilidade de antes)
vão desaparecendo no retrovisor pouco a pouco,
como se a própria visibilidade recem-adquirida, o olhar público entediado,
fosse uma maresia incômoda, que os corroesse lentamente.


O Brasil de hoje, da diversidade que aponta para o amanhã,
é um Brasil quase anônimo. Ele está no Cultura Viva,  nos pontos de cultura
espalhados por todo o país; a revolução cultural silenciosa, invisível aos olhos
da grande mídia. Uma revolução que é um salto imprevisível no escuro.
Este Brasil está na CUFA, na música de vanguarda paulista, nos CAPs,
no Bolsa Família, nas marchas de orgulho gay, na prova do Enem
e na mão de obra cada vez mais valorizada.
Ele está chegando e se acercando, devagar e forte, por toda a parte.


E é por este cenário dinâmico que eu caminho e lanço o meu olhar
de quem vem de longe. 


Gui Mallon