Uma miragem não é apenas a evocação da cena
clássica, cinematográfica, dos sedentos - náufragos ou perdidos no deserto -
visualizando um oásis inexistente, com suas cachoeiras se espumando em alguma
lagoa azul e cristalina envolvida por uma cama de areia amarela e fina. A
miragem, como materialização de um desejo profundo e inalcançável, também pode ocorrer no
cotidiano, com maior ou menor intensidade. A miragem é parte da realidade
contemporânea.
A miragem também é um poderoso recurso de produção artística. Ontem eu era um
garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, e continuo amando, mas não
com a intensidade de ontem. O “efeito miragem” simplesmente desvaneceu-se com o
tempo.
Alguma miragem deve estar por trás das primeiras pinturas pré-históricas, pré-rupestres, pré-figurativas. Como explicá-las de outra forma? E aqui o surgimento da arte se confunde com o das religiões. Arte também é uma forma de religião, uma e outra são diferentes formas de miragem.
Uma vez, quando ainda era professor de
violão no Conservatório Brasileiro de Música em Friburgo, fui chamado pelo pai
de um aluno, exasperado porque o filho havia decidido fazer vestibular para
Música. O homem era militar aposentado e ainda estávamos em plena ditadura. Seu
filho tinha o lábio leporino e o comportamento típico dos que são
discriminados pela aparência, com dificuldades nos estudos, inclusive nos
estudos de violão. Assim que entrei na casa o pai lançou-me a pergunta
terrível: “Diga-me verdadeiramente, professor, esse menino terá condições de
se sustentar com a música”? A pergunta me pareceu especialmente cruel porque se referia indiretamente à aparência física do menino. Eu respondi: “Talvez, senhor”, e prossegui: “Poderá, muito
provavelmente, nunca ter dinheiro para comprar um carro ou uma casa. Ou, quem
sabe, poderá ser o membro mais rico da sua família. Mas nada disso importa. Música
não é uma profissão, mas uma vocação; é como ser padre. E se ele tiver a
vocação para ser músico, nada o impedirá de sê-lo”. E saí. E é mesmo verdade: vejam
os estudantes de música clássica como caminham diferente, com seus óculos de
graus, a pele carente de sol: parecem, de fato, sacerdotes de uma seita
fechada, exclusiva.
Vocês querem saber o final da história? O pai morreu não muito tempo depois do nosso último encontro. E assim como o pai de Salieri – o músico concorrente de Mozart no filme homônimo - deixou uma gorda herança que permitiu ao meu aluno seguir seus estudos. Esse “menino” fez mestrado de violão no Brasil e a última notícia que eu ouvi dele é que estava fazendo doutorado no Japão. Não sei quanto tempo durou a miragem que ele perseguia.
Também existem pessoas que aparecem e desaparecem da vida da gente. O melhor amigo que eu tive, aquele com quem eu podia dialogar sobre qualquer assunto sem medo de ser incompreendido, ainda está vivo. Mas este amigo, com a idade, decidiu fechar-se dentro de si mesmo. Nossa amizade foi uma miragem maravilhosa e razoavelmente duradoura. Outras pessoas que já se foram deste mundo parecem desvanecer-se com a distância do tempo, como miragens. Mas nada compara-se a dor da perda de uma pessoa que ainda está viva, só que viva na forma de uma miragem desvanecida. Há os mortos que ainda estão vivos; os eternizados pelo amor do povo: Luiz Gonzaga, por exemplo. E há os vivos que já estão mortos. Encontrá-los é dolorosamente espantoso, como se encontrássemos fantasmas, zumbis, que acordam dos sonhos para invadir o cotidiano.
Mas, na miragem que se desvanece pouco à pouco, deve haver um momento qualquer, entre a certeza e a dúvida, como no encontro do Sol e da Lua ao entardecer – ambos rumo à direções opostas – um momento mágico entre a realidade e o sonho (ou miragem), que é o território onde a Arte e o Amor surgiram. Ou como explicaríamos a intensidade louca das cores junto à perfeita lógica estética das linhas das pinturas de Altamira? Como explicar o êxtase que a arte e o amor provocam?
Vocês querem saber o final da história? O pai morreu não muito tempo depois do nosso último encontro. E assim como o pai de Salieri – o músico concorrente de Mozart no filme homônimo - deixou uma gorda herança que permitiu ao meu aluno seguir seus estudos. Esse “menino” fez mestrado de violão no Brasil e a última notícia que eu ouvi dele é que estava fazendo doutorado no Japão. Não sei quanto tempo durou a miragem que ele perseguia.
Também existem pessoas que aparecem e desaparecem da vida da gente. O melhor amigo que eu tive, aquele com quem eu podia dialogar sobre qualquer assunto sem medo de ser incompreendido, ainda está vivo. Mas este amigo, com a idade, decidiu fechar-se dentro de si mesmo. Nossa amizade foi uma miragem maravilhosa e razoavelmente duradoura. Outras pessoas que já se foram deste mundo parecem desvanecer-se com a distância do tempo, como miragens. Mas nada compara-se a dor da perda de uma pessoa que ainda está viva, só que viva na forma de uma miragem desvanecida. Há os mortos que ainda estão vivos; os eternizados pelo amor do povo: Luiz Gonzaga, por exemplo. E há os vivos que já estão mortos. Encontrá-los é dolorosamente espantoso, como se encontrássemos fantasmas, zumbis, que acordam dos sonhos para invadir o cotidiano.
Mas, na miragem que se desvanece pouco à pouco, deve haver um momento qualquer, entre a certeza e a dúvida, como no encontro do Sol e da Lua ao entardecer – ambos rumo à direções opostas – um momento mágico entre a realidade e o sonho (ou miragem), que é o território onde a Arte e o Amor surgiram. Ou como explicaríamos a intensidade louca das cores junto à perfeita lógica estética das linhas das pinturas de Altamira? Como explicar o êxtase que a arte e o amor provocam?
TRILHA SONORA: THE MIRAGE – composta em 2010. Gravada na roça na noite de 11 de março de 2014.
Ouçam, no fundo, o bater do relógio e os insetos noturnos. Ouçam a Lua
Crescente que boia resplandecente sobre as montanhas de estrelas ...
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