sexta-feira, 21 de junho de 2013

O MUNDO INSUSTENTÁVEL E O "POVO" PÓS-MODERNO

O "monstro" acordou
Recebi e-mails de amigos que estranharam meu silêncio ante as manifestações que estão ocorrendo no Brasil. É que desde o início senti o perigo.


As manifestações brasileiras surgiram, dizem, de um movimento intitulado Passe Livre.
Ou foi graças ao Alckmin e a sua polícia, reprimindo de maneira brutal os primeiros movimentos reivindicatórios? É a FIFA, a PEC 37, a corrupção generalizada ou o Mensalão que revoltou o povo?

A presidenta Dilma, nesta manhã de sexta-feira, dia 19 de junho de 2013, está reunida com o seu ministério para analisar o recrudescimento da violência. Imagino o que não deve estar passando pela cabeça da presidenta, ex-militante dos tempos da ditadura, tempos em que sair às ruas ou fazer oposição era um ato de bravura, muito mais arriscado do que hoje. E estar agora na situação surrealista de ter que reprimir as manifestações do povo. Não há outra saída. O "povo" não age dentro de um só objetivo, como nas manifestações das Diretas Já de 1983, ou na Passeata dos 100.000 de 1968. O "povo" simplesmente explodiu as ruas do Brasil, sem eira nem beira. O "povo" não é unânime em nada a não ser no fato de querer ser protagonista da sua própria história. O "povo" cansou-se de ser mal representado. O "povo" não acredita mais na democracia representativa. Só que o "povo" não está consciente disso e age como um bloco junguiano à deriva, conectado caoticamente pela internet.

Por que uso "povo" entre aspas?
Porque este "povo" que está nas ruas é outro povo, um povo pós-moderno. Que já não pode mais ser chamado de "povo" no sentido que se dava antes de 2013. O "povo ordeiro" que se manifestava através de seus sindicatos, instituições, agremiações, partidos políticos, etc, ainda está metido lá (meio perdido) no meio do "povo" que despertou-se aparentemente do nada (do nada?), à revelia da mídia ou do sistema, e que agora ameaça a existência das instituições e do próprio sistema.

O "povo", como um imenso aglomerado de massas sem liderança, tornou-se tão assustador quanto o estouro de uma boiada de 200 milhões. As forças políticas aglutinadas à direita ou a esquerda tentam direcionar o "povo", canalizando este movimento para os seus propósitos. Mas o "povo" é basicamente não-unânime, apartidário, sem cor, sem bandeiras, enfim, o retrato mais assustador da brasilidade contemporânea, que escancara-se ruidosamente em frente aos meios de comunicação do mundo inteiro (e o "povo" está consciente disso - sendo esta, precisamente, uma das suas maiores motivações).

A princípio o "povo" parecia estar apenas seguindo a onda mundial de manifestações antissistema, cujas raízes remontam à Paris de 1968, que já haviam sido presenciadas em Paris, Londres, Atenas, Cairo (na Primavera Árabe) e que neste ano, desembocou em Estocolmo e Instambul. Mas nestas manifestações havia ainda alguma motivação clara e identificável; racismo ou contra a opressão política. Aqui não. E este, apontam todos,  é o ineditismo da manifestação brasileira. Eu vejo, claramente, que a motivação é basicamente a mesma. O que o "povo" está gritando é: ESTE MUNDO NÃO SE SUSTENTA!

Sim, o mundo como conhecemos, é insustentável. Todos sabem disso, mas preferem esquecer. Como os viciados em cigarro, por exemplo, que sabem do caminho autodestrutivo que trilham, mesmo assim preferem não pensar nisso (para poder continuar a fumar). As reservas naturais do planeta estão se esgotando em todos os setores mais vitais; terras férteis, água potável, petróleo, até a atmosfera e a camada de ozônio que nos protege das radiações. Para continuar no estilo de vida consumista, todos nós nos tornamos um pouco cegos, arrogantes e hipócritas.

É muito emblemático e significativo que, justamente no momento da realização de um evento da FIFA, tenha acontecido a eclosão atômica do "povo" brasileiro, esta reação em cadeia que ninguém sabe onde vai terminar. A FIFA é uma das instituições mais autocráticas do planeta. Seus dirigentes são escolhidos em sistema de eleições mais fechado que o Vaticano e, ninguém duvida, digamos, da "singularidade" de suas operações econômicas, comerciais e políticas pelo mundo. Nada, como a FIFA, pode representar mais enfaticamente as duas palavras que melhor definem a causa da ira do "povo" mundial pelas ruas: ARROGÂNCIA e HIPOCRISIA.

A junção destas duas palavras está por detrás de tudo que mais odiamos no sistema político-econômico mundial. A HIPOCRISIA permite aos políticos dizer que nos representam, por lei, e a ARROGÂNCIA, a fazer o que quiserem. 

A vitória do neoliberalismo nos anos 80 e do chamado consenso econômico de Chicago, causou um desequilíbrio de forças entre as correntes históricas de pensamento político. Não existe mais partido de esquerda que possa ter um projeto político independente deste verdadeiro monólito mundial de bancos e demais instituições econômicas (o tal do "Mercado"). O "Mercado" tem reinado no mundo como um deus, desde o advento da trinca Reagan-Tatcher e Gorbatchov. Agora, o "povo" se ergueu, de maneira difusa e inconsciente, contra a lógica de efetividade do "Mercado", que desapropria casas, constrói e destrói (principalmente vidas humanas), sem escrúpulos ou empatia.

Não sei o que a presidenta Dilma está pensando neste momento, só posso imaginar. A presidenta  deve estar passando pelo momento mais crítico de toda a sua vida política. Um momento de decisão, reflexão e autocrítica. De coração ela deve estar do lado dos manifestantes, procurando decifrar suas motivações e reivindicações. Racionalmente, ela deve estar avaliando a extensão e o poder da armadilha montada pelo neoliberalismo mundial. Até que ponto suas concessões ao "Mercado" foram justificáveis?

A presidenta sabe que a direita quer e vai fazer de tudo para se utilizar das manifestações políticas em proveito próprio, desestabilizando o governo ao máximo, quem sabe até a renúncia? Porque a direita está desesperada diante da possibilidade de perder as eleições pela quarta vez seguida. Mas a direita também tem medo do monstro que ela, mais que ninguém, ajudou a despertar.

Diante da magnitude deste momento, a ameaça da FIFA de interromper a Copa das Confederações e, talvez, até suspender a Copa do Mundo no Brasil, soa como uma piada. Melhor saírem logo antes que o "povo" tome os aeroportos e decida decapitar Joseph Blatter, como fizeram com o rei durante a Revolução Francesa. Hum, muito tarde. Blatter já fugiu do Brasil.




Um comentário:

  1. Gui, não te conheço pessoalmente, mas virei sua amiga de infância depois q li seu artigo/diario de bordo! A pergunta é: posso traduzir pro francês e enviar pro Le Monde??? Os caras estão pedindo isto pra gente, mas não me senti segura para escrever nada e não encontrei nenhum texto tão lucido e bem escrito como o seu! Aguardo resposta: flymart@hotmail.com, se preferir!

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