Pensava eu no alto da noite, na minha tradicional e gostosa "hora da insônia", e pensava nessa coisa que chamamos "destino". Vira e mexe me reaparece o termo, como se fosse uma bola plástica
submersa entre as ondas mentais; afundando e voltando à consciência, ao
sabor das ondas: Destino. Des ... ti ... no. Esta última sílaba "no", ao final, sempre me provoca uma ligeira náusea, quase-dor, porque
relaciona a palavra à negação, ao não, a tudo que me foi negado na vida
por causa desse tal de desti-no-Nooooo. "É o Destino". O sentimento
místico de direção, sentimento de destino; chamem como quiserem -
intuição, dejàvú - é a característica psíquica mais forte dos humanos,
força motriz dos acasalamentos, principal baluarte das religiões e mesmo
de ideologias políticas. É perigosíssimo relacionar estas duas
palavras: destino e política. E ainda mais perigoso relacionar destino com
amor.
"Você é bom com as palavras", mencionou uma
ex-namorada num muchocho, expressando desprezo, rancor e tristeza. Na
verdade, foi a maneira sucinta que ela encontrou na ocasião para calar a
minha boca, disassociando tudo o que eu dizia de qualquer substância
comunicativa, fechando a porta da interação. "São apenas palavras",
estas minhas palavras esquisitas, pretenciosas, inteligentes ou não; que
pretendem mudar dinâmicas existenciais ou ter algum fundamento na
cultura, na história ou na arte. Minhas palavras são, para essa
ex-namorada, nada mais que "palavras". Sons desprovidos de sentimento ou sentido.
Senti-me condenado por possuir palavras, por ser artista, poeta, músico,
enfim, por ser o que sou. É o destino.
Talvez, se eu acreditasse que minhas palavras pudessem ter algum
alcance, eu teria dito: Imagine, moça, um ser humano sem palavras? Uma
bio-estátua. Será este o novo modelo de virtuosidade da
contemporaneidade: o laconismo total, a estatualização? Ser "cool" como
os norte-europeus nos seus personagens cinematográficos, com sua economia de gestos
lentos e estudados. Mas, tivesse eu dito estas palavras,
elas teriam resvalado nos ouvidos já petrificados daquela mulher.
Nada é mais terrível do que a invisibilidade. O castigo da
invisibilidade é amplo e irrestrito: castiga os dois lados da moeda da comunicação. À
revelia.
A visão do outro só é possível através do compartilhamento de valores comuns, aquilo que chamamos cultura. E se cultura também for destino? Quem pode garantir que
não é? As vezes um indivíduo muda o curso da história de maneira radical: Jesus, Maomé,
Robespierre, Hitler, Lenin ou Lennon, (depende da perspectiva).
Provavelmente estes indivíduos também sentiram-se imbuídos, em algum
momento, da intuição do destino ou do sentimento de missão histórica.
Não me é estranha esta sensação, talvez seja algo comum a todos nós. Nem
sempre estas intuições procedem (o que impede a confirmação da teoria),
mas elas tornam, ao menos, o enredo da vida mais interessante. Saber por exemplo
que Abraham Lincoln disse à sua esposa, horas antes de ser assassinado,
que gostaria de visitar a Terra Santa. Saber que este homem determinado (que reformou seu país apenas por acreditar que todo homem tinha direito
à vida, à liberdade e a busca da felicidade), foi assassinado por outro
homem determinado, me faz pensar em ... "destino".
Hoje é dia de eleição presidencial nos Estados Unidos. Temos de um
lado o presidente Obama, representante da civilização contemporânea. Do outro, o mórmon Romney. Me parece
inconcebível que a cultura americana, que já esteve na vanguarda do
pensamento livre, possa produzir um impasse destas proporções, nos
trazendo um protagonista que parece ter saído diretamente da cultura do
século XVII. Talvez tenhamos todos que emigrar para os EUA, para que a
"America" possa, finalmente, ver o mundo e o seu tempo?