segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O "ROLEZINHO": EXPRESSÃO POLÍTICA, OBRA DE ARTE e VANDALISMO



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Rolezinho em Santa Catarina
"Dar um rolé" é uma expressão dos anos 70 que significa sair para dar um passeio, ou uma caminhada. Vem da palavra "rolar" e, provavelmente, é inspirada na cultura pop inglesa (rolling). Às vezes tem uma conotação meio marginal, alternativa,  como "se espalhar"; quando uma reunião de pessoas em alguma esquina se desmancha ante a presença iminente da polícia. O "rolezinho" atual, que não tem nada de diminutivo (ver a foto ao lado), ganhou contornos de significação política quando passou a desafiar certas leis invisíveis da sociedade.

 
Interessante lembrar que o processo de transformação social histórico é empírico, lento, gradual; não-homogêneo. A queda de Roma não aconteceu em um dia ou um ano, quando os Hunos a invadiram, por exemplo - por mais simbólica que tenha sido aquela invasão - mas foi um processo que se desenvolveu durante dois séculos. Da mesma maneira, a Lei Áurea não significou que a escravidão no Brasil foi inteiramente abolida em 13 de maio de 1888. Até hoje ainda existem resquícios de escravidão em certas partes isoladas do país e, pior, a mentalidade escravista ainda resiste e é um fator preponderante na cultura brasileira das classes privilegiadas.

 

Não faz muito tempo tínhamos, por exemplo, a instituição da "criada". A "criada" era uma criança pobre que as famílias de melhor situação econômica adotavam informalmente, geralmente sem adoção formal, no papel. As criadas faziam trabalhos domésticos em tempo integral, inclusive fins-de-semana, em troca de casa e comida, convívio e, quando muito, algum estudo (geralmente em escolas públicas de nível inferior às escolas dos filhos da família). A criada foi um tipo de relação complexa, não padronizada, geralmente com variantes "suavemente" criminosas. Mas a instituição da criada abria campo, também, para a existência impune da "escravidão branca", da exploração de mão de obra infantil, da pedofilia, etc. Serve perfeitamente como exemplo das "leis invisíveis" (ou das transgressões invisíveis) a que eu me refiro. A criada servia também para diminuir os salários do serviço doméstico contratado, geralmente informal, com regras trabalhistas "invisíveis" especiais; um campo de atividade que tenta-se regularizar desde o ano passado com a Lei das Domésticas ( Projeto de Lei Complementar nº 302/2013).




Pontos de reflexão sobre o "Rolezinhismo":



1. O rolezinho desmascara, de maneira clara, o Apartheid brasileiro; um Apartheid mais social do que racial (dizem uns), mas que acaba atingindo na prática os afrodescendentes, pois são eles que formam a base da pirâmide social. 

2. Os shopping centers acabam funcionando como áreas de segregação social e racial, através da barreira imposta pelo poder de consumo. O princípio, ou prática, existe a muito tempo. Desde as passagens de "primeira classe" nos navios/trens do século XIX até os aviões; os preços mais altos garantem a exclusividade dos mais ricos.  E é este sentimento de exclusividade que passa a ser ameaçado pelo rolezinho. 


3. A necessidade de exclusividade das classes altas está bem marcada nos condomínios, a forma mais clara de Apartheid. Nos países escandinavos, que têm legislações sociais bem avançadas, propriedade coletiva de portão fechado é proibida. A razão é óbvia: a propriedade coletiva privada não pode se sobrepor as leis nacionais de utilização do solo e território, que garantem livre trânsito dos cidadão.

4.  O rolezinho encontra-se nas fronteiras da lei, como a arte grafite, considerada por muitos simples vandalismo. Artistas contemporâneos utilizam-se muito desta zona "twilight" da lei para chamar atenção e provocar reflexões. O rolezinho pode ser também considerado como uma performance, uma escultura social a la Josef Bueyes, portanto: uma obra de arte.

5. O rolezinho também é uma pequena experiência de avaliação do "gigante adormecido" - a entidade das massas que se levantaram em junho de 2013 - que eu defino no post anterior. Seria uma medição de forças entre este ID coletivo de massas oprimidas e as forças de segurança, para medir o comprimento do "braço da Lei" e, neste sentido, o teste foi vitorioso porque a repressão foi suspensa (exatamente como na questão das passagens de ônibus urbanos ano passado). O movimento atual está sendo então uma pequena escaramuça, um recall, um exercício preparatório para o que nos espera durante a Copa do Mundo deste ano.

6. O rolezinho causa ruído. A questão do volume do som, cujos limites ainda não estão claramente definidos por lei no Brasil, é outro aspecto "twilight" interessante. Quem não se lembra dos Beatles, no auge da fama, sendo parados pela polícia britânica no meio do seu último concerto no teto da Apple em 1969, ato registrado no filme Let it Be? O fato incontestável é que som alto incomoda. Submeter um funkeiro a uma audição diária em 100 decibéis de uma ópera de Puccini certamente seria uma violência auditiva, uma invasão de aura ou do espaço individual. Ou seja: puro vandalismo auditivo. 


Ainda estamos definindo (ou redefinindo) normas básicas de convívio no Brasil, cuja Constituinte tem apenas um quarto de século. O Brasil é um país dinâmico, de vanguarda, que ainda está se constituindo e discutindo conceitos. Liberdade x Lei. Indivíduo x Coletivo. O "rolezinho" é mais um desafio lançado neste caldeirão fervente de conceitos, sempre no limite, sempre à beira de uma explosão. Daí sairá algo novo, a resultante (temporária, sempre) de cinco séculos de tensão social.







sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

2014


Depois de uma longa pausa, volto a este Diario de Bordo, inaugurado em 2010 para descrever minha volta ao Brasil, após 25 anos de auto exílio no exterior. 

 
Em 2014 fez 5 anos desde que cheguei, em 8 de janeiro de 2009, com um projeto aprovado pelo MinC/Funarte de "antão" para (re)iniciar minha vida no país. Apesar de ter baixado em Salvador em julho de 2008, considero esta data como minha volta oficial. São apenas 5 anos, mas as transformações, em todos os níveis, dão a sensação de que se passaram muito mais do que apenas cinco anos. O ano de 2009, visto aqui à distância, de 2014, parece se situar a séculos de distância.



Houve mudanças impossíveis de prever, como a grande catástrofe das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011, onde moro, que descrevi no post: APOCALIPSE NA SERRA DO RIO


A maior catástrofe natural do país me pegou no miolo da área e me atingiu em cheio, mudando minha vida radicalmente. Em menos de 8 horas, 1000 pessoas haviam morrido ou desaparecido. As águas arrastaram consigo não só vidas físicas, mas muitas certezas e crenças. Desnudou "o rei", no sentido de escancarar para o conhecimento do povo a debilidade de nossas instituições políticas e da nossa infraestrutura social frente a situações de crise. O povo, como em um reflexo psicológico típico de vítimas de trauma, aparentemente já esqueceu. Quem passa pela rua Portugal ou na Praça do Suspiro à noite, se depara com um clima de festa digno das orgias etílicas das "Oktoberfest" bávaras... mas sabemos que nada poderá repor mais a crença que a Serra do Rio embalou por tantos anos de ser uma área privilegiada de moradia.




No plano nacional tivemos as manifestações de 2013. Ninguém poderia prever a extensão, a pluralidade e o alcance do movimento; que em 20 de junho de 2013 alcançou o pico de 1,4 milhão de pessoas nas ruas em cerca de 120 cidades. Esta crise pode ser comparada à catástrofe natural da Serra do Rio, sendo que os atingidos foram, principalmente, os buldogues do sistema: a grande mídia e a classe política. Uma surda batalha política se iniciou nos bastidores da informação e contrainformação sobre os significados das manifestações. 

 

Assim como na catástrofe natural, as vítimas das manifestações - a grande mídia e a classe política - parecem estar sofrendo de uma espécie de amnésia de traumatizados. Esqueceram-se já da imagem aterradora do "gigante adormecido" caminhando pelas ruas das cidades, destruindo carros, lojas e bancos. A crise das manifestações deixou outro rei nú: a crença na solidez do sistema de segurança. O Brasil é um dos países que tem mais polícias: Polícia Militar, Polícia do Exército, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Polícia Ferroviária, Polícia Legislativa, Guarda Municipal. Temos até uma "Polícia Científica", sabiam? Sem contar as inúmeras milícias e empresas de segurança privada.
 


Apesar de todo este aparato, temos um dos maiores índices de corrupção e criminalidade do mundo. Por que tanta força de segurança? Entre os motivos, tão óbvios quanto complexos, um deles se destaca acima dos outros: O Brasil foi construído em cima da mão de obra escrava e hoje detém a oitava posição como país mais desigual do mundo, abaixo apenas da Guatemala na América Latina e seis países africanos. Esperar o que?



O autor, homenageando a
Revolução Francesa
(Cambridge-2013)
Mas estamos evoluindo à duras penas de um Estado que servia apenas para proteger os privilegiados históricos - os descendentes sociais do escravismo - para um Estado na concepção moderna da palavra: um Estado de Direito. Estamos no meio do caminho, nem aqui nem lá, em uma posição de fragilidade. Este ano de 2014 vai ser importante para sabermos se daremos mais uns passos adiante ou para trás. Quem luta pelo retorno de políticas de estado alinhadas à velha estrutura hierárquica herdada do escravismo, aposta na utopia do desenvolvimentismo em um planeta cujos recursos naturais estão se exaurindo.

O fator imprevisível é que o "gigante adormecido" provou o gosto do poder; foi às ruas sem prévia permissão, forçou uma "agenda positiva" no Congresso, provou que a Grande Mídia não monopoliza a informação nem a formação de ideias e que todas as forças de segurança do Brasil talvez não sejam suficientes para contê-lo. Este é apenas um desdobramento da grande onda libertária que iniciou-se na Revolução Francesa, inundou o século XX, definindo-o, e desembocou neste século em grandes manifestações pelo mundo afora.



Estranho que nenhum historiador tenha feito até agora a óbvia relação entre o Brasil atual e a sociedade francesa pré-revolucionária, antes de 1789. Também lá uma classe privilegiada vivia alienada da realidade social e política, cercada por um muro de desigualdade social; produto de séculos de imobilidade social. Também lá a repressão mostrou-se impotente desde as primeiras manifestações. 



Na numerologia, os anos de 1789 e 2014 são reduzidos ao número 7. Número da Criação, indica o processo de passagem do conhecido para o desconhecido.

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terça-feira, 27 de agosto de 2013

GuiMallon v6.0



FIRMWARE: Configuração polimática de origem portuguesa-italiana-sueca-inglesa-espanhola-francesa-afrobrasileira. Instruções operacionais de matiz própria, desconhecida, que realiza funções sonoras, textuais, sensuais, imaginativas. Observação: Funciona por controle remoto ou presencialmente. Acesso: guimallonv6.0@gmail.com

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sexta-feira, 21 de junho de 2013

O MUNDO INSUSTENTÁVEL E O "POVO" PÓS-MODERNO

O "monstro" acordou
Recebi e-mails de amigos que estranharam meu silêncio ante as manifestações que estão ocorrendo no Brasil. É que desde o início senti o perigo.


As manifestações brasileiras surgiram, dizem, de um movimento intitulado Passe Livre.
Ou foi graças ao Alckmin e a sua polícia, reprimindo de maneira brutal os primeiros movimentos reivindicatórios? É a FIFA, a PEC 37, a corrupção generalizada ou o Mensalão que revoltou o povo?

A presidenta Dilma, nesta manhã de sexta-feira, dia 19 de junho de 2013, está reunida com o seu ministério para analisar o recrudescimento da violência. Imagino o que não deve estar passando pela cabeça da presidenta, ex-militante dos tempos da ditadura, tempos em que sair às ruas ou fazer oposição era um ato de bravura, muito mais arriscado do que hoje. E estar agora na situação surrealista de ter que reprimir as manifestações do povo. Não há outra saída. O "povo" não age dentro de um só objetivo, como nas manifestações das Diretas Já de 1983, ou na Passeata dos 100.000 de 1968. O "povo" simplesmente explodiu as ruas do Brasil, sem eira nem beira. O "povo" não é unânime em nada a não ser no fato de querer ser protagonista da sua própria história. O "povo" cansou-se de ser mal representado. O "povo" não acredita mais na democracia representativa. Só que o "povo" não está consciente disso e age como um bloco junguiano à deriva, conectado caoticamente pela internet.

Por que uso "povo" entre aspas?
Porque este "povo" que está nas ruas é outro povo, um povo pós-moderno. Que já não pode mais ser chamado de "povo" no sentido que se dava antes de 2013. O "povo ordeiro" que se manifestava através de seus sindicatos, instituições, agremiações, partidos políticos, etc, ainda está metido lá (meio perdido) no meio do "povo" que despertou-se aparentemente do nada (do nada?), à revelia da mídia ou do sistema, e que agora ameaça a existência das instituições e do próprio sistema.

O "povo", como um imenso aglomerado de massas sem liderança, tornou-se tão assustador quanto o estouro de uma boiada de 200 milhões. As forças políticas aglutinadas à direita ou a esquerda tentam direcionar o "povo", canalizando este movimento para os seus propósitos. Mas o "povo" é basicamente não-unânime, apartidário, sem cor, sem bandeiras, enfim, o retrato mais assustador da brasilidade contemporânea, que escancara-se ruidosamente em frente aos meios de comunicação do mundo inteiro (e o "povo" está consciente disso - sendo esta, precisamente, uma das suas maiores motivações).

A princípio o "povo" parecia estar apenas seguindo a onda mundial de manifestações antissistema, cujas raízes remontam à Paris de 1968, que já haviam sido presenciadas em Paris, Londres, Atenas, Cairo (na Primavera Árabe) e que neste ano, desembocou em Estocolmo e Instambul. Mas nestas manifestações havia ainda alguma motivação clara e identificável; racismo ou contra a opressão política. Aqui não. E este, apontam todos,  é o ineditismo da manifestação brasileira. Eu vejo, claramente, que a motivação é basicamente a mesma. O que o "povo" está gritando é: ESTE MUNDO NÃO SE SUSTENTA!

Sim, o mundo como conhecemos, é insustentável. Todos sabem disso, mas preferem esquecer. Como os viciados em cigarro, por exemplo, que sabem do caminho autodestrutivo que trilham, mesmo assim preferem não pensar nisso (para poder continuar a fumar). As reservas naturais do planeta estão se esgotando em todos os setores mais vitais; terras férteis, água potável, petróleo, até a atmosfera e a camada de ozônio que nos protege das radiações. Para continuar no estilo de vida consumista, todos nós nos tornamos um pouco cegos, arrogantes e hipócritas.

É muito emblemático e significativo que, justamente no momento da realização de um evento da FIFA, tenha acontecido a eclosão atômica do "povo" brasileiro, esta reação em cadeia que ninguém sabe onde vai terminar. A FIFA é uma das instituições mais autocráticas do planeta. Seus dirigentes são escolhidos em sistema de eleições mais fechado que o Vaticano e, ninguém duvida, digamos, da "singularidade" de suas operações econômicas, comerciais e políticas pelo mundo. Nada, como a FIFA, pode representar mais enfaticamente as duas palavras que melhor definem a causa da ira do "povo" mundial pelas ruas: ARROGÂNCIA e HIPOCRISIA.

A junção destas duas palavras está por detrás de tudo que mais odiamos no sistema político-econômico mundial. A HIPOCRISIA permite aos políticos dizer que nos representam, por lei, e a ARROGÂNCIA, a fazer o que quiserem. 

A vitória do neoliberalismo nos anos 80 e do chamado consenso econômico de Chicago, causou um desequilíbrio de forças entre as correntes históricas de pensamento político. Não existe mais partido de esquerda que possa ter um projeto político independente deste verdadeiro monólito mundial de bancos e demais instituições econômicas (o tal do "Mercado"). O "Mercado" tem reinado no mundo como um deus, desde o advento da trinca Reagan-Tatcher e Gorbatchov. Agora, o "povo" se ergueu, de maneira difusa e inconsciente, contra a lógica de efetividade do "Mercado", que desapropria casas, constrói e destrói (principalmente vidas humanas), sem escrúpulos ou empatia.

Não sei o que a presidenta Dilma está pensando neste momento, só posso imaginar. A presidenta  deve estar passando pelo momento mais crítico de toda a sua vida política. Um momento de decisão, reflexão e autocrítica. De coração ela deve estar do lado dos manifestantes, procurando decifrar suas motivações e reivindicações. Racionalmente, ela deve estar avaliando a extensão e o poder da armadilha montada pelo neoliberalismo mundial. Até que ponto suas concessões ao "Mercado" foram justificáveis?

A presidenta sabe que a direita quer e vai fazer de tudo para se utilizar das manifestações políticas em proveito próprio, desestabilizando o governo ao máximo, quem sabe até a renúncia? Porque a direita está desesperada diante da possibilidade de perder as eleições pela quarta vez seguida. Mas a direita também tem medo do monstro que ela, mais que ninguém, ajudou a despertar.

Diante da magnitude deste momento, a ameaça da FIFA de interromper a Copa das Confederações e, talvez, até suspender a Copa do Mundo no Brasil, soa como uma piada. Melhor saírem logo antes que o "povo" tome os aeroportos e decida decapitar Joseph Blatter, como fizeram com o rei durante a Revolução Francesa. Hum, muito tarde. Blatter já fugiu do Brasil.




quarta-feira, 15 de maio de 2013

ALGO ANTIGO, DE ROUPA NOVA, VIA PLIM PLIM



 É sempre interessante notar que estamos sujeitos a um bombardeio de mensagens subliminares o tempo todo.


O "Plim, Plim" com a imagem do símbolo da Globo na telinha, por exemplo, nos remete à varinha mágica dos contos de fada; uma maneira sutil e instantânea de despertar dentro de nós, de maneira subliminar, a criança ingênua, olhos esbugalhados, absolutamente crente e submissa ao narrador. Essa submissão consentida ao narrador é parte importante da narração desde tempos imemoriais. A maximização do "faz de conta" é parte importante do show business nos dias de hoje. Temos que fingir que é verdade, senão a mágica do espetáculo não funciona.




Estas mensagens subliminares parecem inocentes, mas são, na verdade, um instrumento psicológico de comando de massas, muito utilizado há tempos por todos, desde políticos a profissionais de marketing e mídia.

"Paletó (R$ 4.640), calça (R$ 1.650),
sapato (R$ 1.330)", etc, (O GLOBO)

O Lobão desafiador que surgiu no jornal O Globo em 04/05/2013, por exemplo, todo vestido de vermelho, parece apenas uma imagem montada, construída com esmero para associá-lo à imagem de algo bem mais perigoso (o demônio), e assim despertar nossa curiosidade mórbida, para vender discos e livros (olha a mensagem subliminar aí).

Nada demais ou de inédito até aqui. Os Rolling Stones já haviam flertado com o diabo meio século atrás, na canção Sympathy for the Devil (1968), uma maneira de diferenciar-se dos Beatles, que seguiam uma filosofia mais comportada, de orientalismos, de "Paz e Amor". Foi a maneira que os Stones encontraram para abrir espaço e público próprios, naqueles tempos de Beatlemania.

A extrema exposição à mídia pela qual passa o músico e escritor Lobão, no momento, poderia parecer apenas mais um detalhe da estratégia de mais um lançamento sensacionalista como tantos outros, mas não é. É algo mais. O discurso desafiador de Lobão também foi um ato cuidadosamente encaixado, conscientemente ou à revelia do próprio Lobão, na tentativa de "inauguração" de uma nova frente ideológica que se forma no Brasil com a ajuda da imprensa há algum tempo, desde as duas últimas reeleições do petismo. O L.A. Times detectou este fenômeno, em matéria de março de 2013 entitulada Brazil´s Dilma Roussef is popular, but not among news media. (A presidenta Dilma é popular, mas não na mídia). Mas qual seria então a ideologia desta frente ideológica? Qual o conteúdo? Qual a estratégia? Nada de novo, really. O objetivo é seduzir os jovens da classe média alta, futuros universitários estatais formadores de opinião, mostrando a eles a contradição óbvia de ser "de esquerda" e pertencer, ao mesmo tempo, a uma classe privilegiada. Este é o grupo que se pretende atingir.

No artigo "Mais Lobão e Menos Chico Buarque", de Rodrigo Constantino (também no O GLOBO), a comparação que se faz com Chico, considerado um porta-voz das esquerdas brasileiras de elite, não é gratuita. Gostariam de fazer do Lobão uma espécie de "anti-Chico", marcando posição e espaço entre esta juventude crítica, exatamente como os Rolling Stones fizeram a meio século com os Beatles - guardadas as devidas proporções e dentro da nossa realidade tupiniquim. Eu, pessoalmente, acho que o Lobão, apesar do indiscutível talento, jamais chegará a estatura ou ao significado político, agora ou nunca, que o Chico alcançou no seu tempo, nos anos 60-70. Se alguma chance ainda tivesse, já está velho demais para ser ícone de uma geração. E hoje, sabemos, é bem mais difícil criar uma mensagem que alcance a quase unanimidade que se alcançava antes. Deve ser chato para o Lobão ver a música de Chico Buarque ser, ainda hoje, preferida pelas "meninas da Zona Sul", sua classe de origem.  Parodiando uma frase famosa de um candidato americano à presidência, eu poderia dizer: Lobão, you are no Chico Buarque!

Mas então o que é isso? O discurso do Lobão, desprovido de profundidade ou substância acadêmica, seria apenas o de mais um lesado da cabeça, o de mais um ex-presidiário condenado por uso de drogas, o de mais um "idiota útil" à "imprensa PIG", etc? Sim e não, escolham seus lados no ringue à vontade. Mas o que eu acho mais interessante aqui não é o discurso do Lobão - que os jovens de esquerda consideram tão simplórios e desinteressantes quanto suas músicas - mas, sim, o fenômeno da hiperexposição da mídia. Por que os holofotes da imprensa se voltaram tão avidamente para ele?
E o que estes "novos pensadores de direita" por detrás dos holofotes querem dizer? Qual é a mensagem? Nada de novo.

DA LEI ÁUREA ÀS COTAS NAS UNIVERSIDADES, UMA RESISTÊNCIA CONSEQUENTE.

Se é para alguém ser indenizado, deveriam ser os próprios ex-escravos
(Rui Barbosa, respondendo aos pedidos de indenização dos ex-proprietários de escravos)

Os movimentos e manobras políticas que presenciamos hoje em dia, seja no Jurídico, na Câmara ou na Mídia, têm uma motivação semelhante aos movimentos que lutaram contra a Abolição da Escravidão no séc. XIX; a luta contra a perda de certos privilégios que se acreditava garantidos de berço. O casamento Gay ameaça o estilo de vida dos religiosos, a "Lei Seca" ameaça o estilo de vida dos cowboys das estradas, a chamada "Lei das Domésticas" ameaça o estilo de vida da classe média, a cota de negros na universidade ameaça os que podiam pagar os cursinhos, a Bolsa Família retirou a mão de obra semi-escrava do campo (inclusive de crianças), etc. Aos resistentes temos que perguntar: Qual é a alternativa ao avanço da civilização? Deixar que crianças continuem a morrer de fome ou sejam exploradas nos campos? Que pessoas morram nas estradas estupidamente? Que a universidade pública continue a ser um clube privado? Que os homossexuais continuassem a ser tratados como não-humanos?

O discurso do Lobão (okay, vamos fazer de conta que aceitamos, como propõe a mídia, que o Lobão seja o portavoz dessa velha-nova ideologia caduca), poderia ser comparado aos que foram proferidos pelos que resistiram à abolição.  Se Lobão estivesse em 1888, estaria do lado dos escravagistas.

Absolutamente nada de novo em desejar uma volta ao passado.



Missa de Ação de Graças pela Abolição, a princesa Isabel e o povo, no dia 17 de maio de 1888







domingo, 12 de maio de 2013

Terra-Mãe, o poético e a poesia

Terra Óvulo
Bola verde
Bola azul


Se eu cerro os meus olhos / (como faço nesta manhã ensolarada de outono) / sou bem capaz de sentir, outra vez/ o calor, o perfume, a carícia (da voz primal, maternal) /
traduzida nos cantos dos pássaros / no ruflar das asas dos ventos / no verde amarelo que engolfa este domingo de maio / E imagino-te, Terra-Mãe / no esplendor dos teus anos / jovem, sem marcas de concreto / saltitando pelo universo / soberana, límpida, serena / declamando, à revelia, pelo teu caminho lácteo, de estrelas / a poesia do dia-a-dia / e fico feliz / ainda que saiba que a descrição do poético é apenas quase-poesia / que a vida imaginada é apenas quase-vida / não obstante, ainda assim / do meu cantinho aqui no alto da serra / fazendo de conta / vivo tudo outra vez, Mãe / tudo o que foi e o que seria / se possível fosse / Mãe-Terra

Ignez. Por ela mesma. (autorretrato)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

ELEOÉ: UM DIA DE ABRIL

CÉU VESPERTINO - picture by Gui Mallon




Se Deus existe
em alguma forma compreensível
Se Deus fala
em qualquer forma de expressão
Este Deus me diz:
"Se tu me compreendes, então
 já estás dentro de mim"
Ou seja:
Eu sou Ele


Assim como o sentimento emergido da notícia de que
dentes crisparam-se
palavrões trocaram-se
canhões levantaram-se
entre as Coréias, israelenses, sírios
palestinos e libaneses

Ele o é...

Assim como este dedo indicador
escorregando distraidamente pelo teclado
parece mover-se independentemente
contribuindo de modo relevante
para moldar meu pensamento
nesta manhã nublada de abril

Ele o é...

Assim como a lufada de ar que penetrou meus pulmões
empurrada pela brisa verspertina que vazava
a neblina por detrás do cantorio dos pássaros
que desenhava o cenário
que me fez pensar
nestas coisas

Ele o é...



quarta-feira, 6 de março de 2013

DIA DA MULHER: A maior parceria do universo

Mais um dia 8 de março, mais um Dia da Mulher.

Desculpem-me as mulheres pela minha impertinência, mas escrevo minha homenagem com antecedência de dois dias (6 de março). Simplesmente não consegui esperar. Ando meio às turras com o relógio. Estamos passando tempos tão loucos que talvez esta não seja uma atitude tão absurda assim, ainda considerando que estamos vivendo o ápice do binômio americano: Time = Money. Mas o que desencadeou este meu autismo temporal temporário, que me leva a celebrar o Dia das Mulheres no dia 6 de março? O redescobrimento, justamente hoje, de um momento mágico de uma das parcerias mais felizes da história do jazz e do blues: Wilson Simonal e Sarah Voughan (vejam o video aqui).

Desculpem-me agora, também, as nossas justamente homenageadas mulheres homossexuais, quando uso o exemplo da feliz colaboração entre um homem e uma mulher para escrever meu tributo ao vosso dia. Mas chega de desculpas por hoje.


Wilson foi o nosso Rei do Swing. Pai precursor do Pop (brasileiro); uma espécie de rei da voz. Sua voz era a representação mais perfeita da pilantragem dos anos 60. Sarah Vaughan ... ah, Sarah, Sarita. Era a Miles Davis da voz, gogó-violino, rainha do jazz blues. Quando estes dois se encontram, naquele clima descontraído-bêbado-sem-medo-de-ser-feliz, típico da estética whisky  a go-go daqueles tempos, me dá ganas de declarar:

É simplesmente imbatível o que um homem e uma mulher podem alcançar juntos.


E para finalizar este meu texto nonsense, voltando ao Wilson, considerando que a história dos direitos civis aproxima as lutas dos afrodescendentes e das mulheres, deixo aqui mais um vídeo. Lembrem-se da música, mulheres. Lembrem-se, mulheres, de nós, homens discriminados por qualquer razão, vossos parceiros e irmãos de lutas.


bjs e VIVAVIDA!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A ROSA DA VIDA

Feliz Valentim!


Minha rosa morreu ...
porque me esqueci de regá-la

My rose died ...
because I forgot to water her


Min ros dog ...
eftersom jag glömde
att vattna den


Mi rosa murió ...
porque se me olvidó regarla




Meine Rose starb ...
weil ich vergaß, es zu gießen


Ma rose est mort ...
parce que j'ai oublié de l'arroser


Min rose døde ... 
fordi jeg glemte å vanne det





domingo, 27 de janeiro de 2013

NELMO: ELEGIA À POESIA DOS GESTOS

Nelmo Ricardo Martins Dias,
nosso Nelmo das Ruas e Esquinas, deixou nosso tempo ao léo, libertou-se da lei ... sei que não adianta muito mas, enquanto eu viver, Nelmo, não o esquecerei...


No Centro de Artes armamos quizumba uma vez, Nelmo se fez de estátua enquanto eu tocava. No meio da música soltou num canto da sala meus versos, (versos obcenos que violentavam o português, para espanto do freguês)... sei que não adianta muito Nelmo, mas, enquanto eu viver, Nelmo, não o esquecerei...

Como Niemeyer, elegiado após morto, do PT ao PTB (passando pelo PSDB), Nelmo também é unanimidade. Ele, artista não-institucionalizado, digno, íntegro até o fim,  será demagogiado por desafetos, amado pela gente da cidade,  lembrado com ternura pelos seus ... e nos bares e nas ruas, por mim...


sei que não adianta muito Nelmo, mas, 
enquanto eu viver, ah.. Nelmo, Nelmo,
não o esquecerei...


ARIA DE J.S.BACH
tocada pelo Gui Mallon Ensemble (flauta, oboé, clarinete, violoncelo e violão)
https://soundcloud.com/gui-mallon/aria-bach







segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

THE ARTIST




The Artist é essencialmente uma viagem histórica (pode-se dizer bem rigorosa) de reconstrução da estética da art Deco dos anos 20, la Belle Epoque. O diretor diz sobre a obra: "The Artist was made as a love letter to cinema, and grew out of my (and all of my cast and crew’s) admiration and respect for movies throughout history."

O que talvez não se tenha notado foi este resgate da poética do filme mudo, que era uma OUTRA forma de arte. Logo na primeira cena entendemos a grandeza que foi perdida: uma orquestra completa (!!) toca o score, a trilha sonora, na premier de um filme, levada a cabo em uma sala de concertos (!!). Era assim: 80 minutos de música instrumental composta para o filme, tocada ao vivo de forma sincronizada (os caras ensaiavam com o filme por dias). O The Artist ganhou o oscar de melhor trilha sonora com toda a razão, foram cerca de uma hora e meia de música, quase toda ORIGINAL, escrita para orquestra de forma magistral, cheia de alusões inteligentes à arte de orquestração de um Debussy, de um Bernard Herrmann ou do meu herói Ravel (o filme é francês). Este último compositor viveu aquela época.

A coerência do filme é espantosa, é uma aula! O filme nos ensina didaticamente o que é um filme mudo, não apenas no sentido de um Chaplin - que foi um grande artista, mas era um comediante, por isso sobreviveu a cortina de ridicularização que cercou o filme mudo após o advento do filme falado: atores como o personagem George Valentin, que faziam filmes sérios e profundos na estética antiga, caíram no ridículo. Pessoas iam aos cinemas assistir os velhos filmes mudos para GARGALHAR! Isso é apontado no enredo como uma das maiores dores do protagonista, que tenta o suicídio ao final.

A forma como o enredo foi construído é um capítulo à parte, uma outra lição. Já que não havia o recurso da palavra para explicar e aprofundar complexidades da história, o enredo tinha que ser construído dentro de uma lógica e economia de recursos que não existe hoje em dia. O uso de metáforas poéticas era abundante. Como quando Valentin sai do leilão de todos os seus objetos pessoais e o leiloeiro querendo cumprimentá-lo comete uma gafe e diz: "Parabéns, vendemos tudo que é seu, não sobrou nada do que era teu". Logo depois, o ex-ator atravessa a rua observado por Peppy Miller (a estrela que roubou-lhe a fama) e ele quase é atropelado por um carro, em frente a um cinema onde o cartaz mostrava um filme: Lonely Star. Quando a esposa aos prantos fala com um Valentin deprimido e fechado no seu silêncio: "Porque você não FALA comigo?". Quando ele é parado na saída de um cinema por uma senhora (todos pensam que ela irá cumprimentá-lo mas ela ignora-o e cumprimenta o cachorrinho), ele responde aos elogios: "Se ele apenas pudesse FALAR..." e por aí vai, dezenas de metáforas bem colocadas vão descrevendo o abismo em que o personagem mergulha.

O filme foi tão genial e surpreendente que ganhou Cannes, Brittish Academy (12 nomeações e 8 prêmios) , 6 globos de ouro e 5 oscars da Academia. Entendo que alguns possam encontrar defeitos nele pelo excesso do uso de clichês e apropriações. O filme aparentemente parece ser incorreto politicamente (um filme "branco", racista, que mostra afrodescendentes apenas como primitivos tribais africanos), mas até isso foi colocado dentro de  rigor histórico e artístico. 

Primeiro ator e filme francês a ganhar o oscar, o que mais me agradou é que o The Artist foi o primeiro filme MUDO a ganhar o oscar desde 1927. Enfim, um resgate total! Eu gostei por razões óbvias: este resgate da poética do filme mudo vai de encontro à minha proposta atual, de fazer metafilmes musicais ao vivo.

http://www.youtube.com/watch?v=cDbYv03BeXU


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

CENTENÁRIO GONZAGÃO


Homenagem à LUIZ GONZAGA 
em Bom Jardim-RJ

Se fosse vivo, Gonzagão estaria completando 100 anos de vida no dia 13 de dezembro de 2012. O MinC, através do Pró-Cultura, e a Funarte, criaram o PRÊMIO FUNARTE CENTENÁRIO DE LUIZ GONZAGA para incentivar projetos que se inspirassem na rica herança deixada pelo compositor. O compositor GUI MALLON foi um dos agraciados e foi para Pernambuco realizar pesquisas, gravações, filmagens e interações.


GUI MALLON, que viveu 25 anos entre Europa e EUA, dará um concerto com sua banda no Galpão Cultural Margarete de Jesus em Bom Jardim-RJ, no dia 13 de dezembro, dia do centenário de Luiz Gonzaga, às 20.00 e 21.30 horas. O público bonjardinense não só assistirá a PRIMEIRA AUDIÇÃO MUNDIAL da obra GONZAGUIANASescrita por Mallon ao mestre nordestino, como também fará parte, se quiser, da gravação do vídeo-documentário que será exibido na Europa e EUA.



maiores informações:
tel: 022 88063330



links musicais:

LEK  - Gravada ao vivo no FESTIVAL DE JAZZ DE MONTREUX 
BADINERIE DE BACH - Gravada ao vivo na Radio & Tv Sueca
BAIÃO 2 - Gravada ao vivo no FESTIVAL DE JAZZ DE MONTREUX
DANZA KAFKANIANA
 - Solo de violão

HINO NACIONAL
 - Solo de violão
FANTASIA GONZAGUIANA
 - para quarteto de cordas

patrocínio:


                                  

terça-feira, 6 de novembro de 2012

É o Destino


                                                                                                   
Pensava eu no alto da noite, na minha tradicional e gostosa "hora da insônia", e pensava nessa coisa que chamamos "destino". Vira e mexe me reaparece o termo, como se fosse uma bola plástica submersa entre as ondas mentais; afundando e voltando à consciência, ao sabor das ondas: Destino. Des ... ti ... no.  Esta última sílaba "no", ao final, sempre me provoca uma ligeira náusea, quase-dor, porque relaciona a palavra à negação, ao não, a tudo que me foi negado na vida por causa desse tal de desti-no-Nooooo. "É o Destino".  O sentimento místico de direção, sentimento de destino; chamem como quiserem - intuição, dejàvú - é a característica psíquica mais forte dos humanos, força motriz dos acasalamentos, principal baluarte das religiões e mesmo de ideologias políticas. É perigosíssimo relacionar estas duas palavras: destino e política. E ainda mais perigoso relacionar destino com amor.

"Você é bom com as palavras", mencionou uma ex-namorada num muchocho, expressando desprezo, rancor e tristeza. Na verdade, foi a maneira sucinta que ela encontrou na ocasião para calar a minha boca, disassociando tudo o que eu dizia de qualquer substância comunicativa, fechando a porta da interação. "São apenas palavras", estas minhas palavras esquisitas, pretenciosas, inteligentes ou não; que pretendem mudar dinâmicas existenciais ou ter algum fundamento na cultura, na história ou na arte. Minhas palavras são, para essa ex-namorada, nada mais que "palavras". Sons desprovidos de sentimento ou sentido. Senti-me condenado por possuir palavras, por ser artista, poeta, músico, enfim, por ser o que sou. É o destino.

Talvez, se eu acreditasse que minhas palavras pudessem ter algum alcance, eu teria dito: Imagine, moça, um ser humano sem palavras? Uma bio-estátua. Será este o novo modelo de virtuosidade da contemporaneidade: o laconismo total, a estatualização? Ser "cool" como os norte-europeus nos seus personagens cinematográficos, com sua economia de gestos lentos e estudados. Mas, tivesse eu dito estas palavras, elas teriam resvalado nos ouvidos já petrificados daquela mulher. Nada é mais terrível do que a invisibilidade. O castigo da invisibilidade é amplo e irrestrito: castiga os dois lados da moeda da comunicação. À revelia.

A visão do outro só é possível através do compartilhamento de valores comuns, aquilo que chamamos cultura. E se cultura também for destino?  Quem pode garantir que não é? As vezes um indivíduo muda o curso da história de maneira radical: Jesus, Maomé, Robespierre, Hitler, Lenin ou Lennon, (depende da perspectiva). Provavelmente estes indivíduos também sentiram-se imbuídos, em algum momento, da intuição do destino ou do sentimento de missão histórica. Não me é estranha esta sensação, talvez seja algo comum a todos nós. Nem sempre estas intuições procedem (o que impede a confirmação da teoria), mas elas tornam, ao menos, o enredo da vida mais interessante. Saber por exemplo que Abraham Lincoln disse à sua esposa, horas antes de ser assassinado, que gostaria de visitar a Terra Santa. Saber que este homem determinado (que reformou seu país apenas por acreditar que todo homem tinha direito à vida, à liberdade e a busca da felicidade), foi assassinado por outro homem determinado, me faz pensar em ... "destino".

Hoje é dia de eleição presidencial nos Estados Unidos. Temos de um lado o presidente Obama, representante da civilização contemporânea. Do outro, o mórmon Romney. Me parece inconcebível que a cultura americana, que já esteve na vanguarda do pensamento livre, possa produzir um impasse destas proporções, nos trazendo um protagonista que parece ter saído diretamente da cultura do século XVII. Talvez tenhamos todos que emigrar para os EUA, para que a "America" possa, finalmente, ver o mundo e o seu tempo?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

CHEIAMARELA

CHEIAMARELA


Ela surge meio à linha das montanhas
amarelando luz à Leste, para o Oeste,
logo após as cantorias das cigarras
amagificando o olhar do anoitecer.

Dela emergiu a mitologia das fadas.
Não há dúvida, querida bola amarela,
pela maneira como tu moves, eu digo:
és fêmea; és mulher singela, e cabocla. 

Nesta quadra três, já está bem aprumada
no meio d'Alto Sertão. Mais magra e pálida.
Perdeu "sustância" amarela, deu luz à Prata,
"ilumiô" meu céu, minha casa...e meu coração. 




trilha sonora: FANTASIA GONZAGUIANA para quarteto de cordas
http://soundcloud.com/gui-mallon/fantasia-gonzaguiana

domingo, 30 de setembro de 2012

FRIBURGO

 
Minha primeira visão do centro de N.Friburgo, em dezembro de 1962


A família carioca alugou uma casa em Mury, no início do verão, em dezembro de 1962. Mury era como se fosse outro município: quem lá morava, lá ficava. O último ônibus de Friburgo para Mury creio que saía no horário de 14 ou 15 horas (a FAOL, como sempre, muuuuuito pragmática e muquirandopolitana). Creio que visitei o centro de Friburgo umas duas vezes, no máximo. Destas ocasiões lembro-me claramente do trem que passava, curiosamente, no meio da avenida central da cidade. E de uma loja de chocolates suiços, muito apreciada por todos, que já não me lembro onde ficava. Lembro-me que nestas nossas visitas ao centro eu comia chocolates e via o trem passar bucolicamente, como se fosse um imenso animal selvagem domesticado desfilando em uma parada circense. Hoje eu gosto de imaginar que, ali perto de onde eu estava vendo o trem cruzar a avenida Alberto Braune, mulheres grávidas estavam circulando pelas ruas da cidade, e iriam neste mesmo ano parir pessoas que iriam entrar na minha vida anos mais tarde, de maneira significativa, na forma de amizades, alunos, amores. Este pensamento "magnifica" o significado deste singelo momento que vos descrevo, apesar de, no exato momento em que eu o vivenciava, ele não ter significado nada mais do que o inocente usufruir do sabor de um chocolate somado a visão de um trem.



 
Na casa alugada havia uma piscina, localizada ao lado de um campinho gramado, verdinho, onde eu jogava futebol com outras crianças. À noitinha este campo povoava-se de sapos enormes, que faziam grande algazarra e tentavam invadir nossa casa. Mas isto, agora, eu não sei dizer se era real ou parte dos meus sonhos. Eu tinha oito anos de idade e adorei aquele lugar, apesar de sentir frio, mesmo no meio do verão.

Eu fiz amizade com um garoto friburguense, lourinho de olhos azuis, que gostava de empoleirar-se escondido no alto de um morrinho, para jogar pedras de barro em cima dos carros que passavam na estrada lá embaixo e sair correndo depois pela mata adentro. Eu passei a acompanhá-lo nessas aventuras, mais para observar. Um dia ele atingiu um carro preto, que freiou violentamente, saindo lá de dentro um homem vestido de terno preto e óculos escuros. Ele nos viu correndo para a mata e gritou algumas coisas que não entendemos, mas que nos assustou o suficiente para não repertirmos mais a experiência.

As férias acabaram e eu voltei pro Rio. Aquele menino friburguense nunca mais vi. A casa alugada já não consigo lembrar-me onde ficava. O trem  um dia foi embora e nunca mais voltou. O homem de óculos escuros visita meus sonhos às vezes. A loja dos chocolates que continham licor, ao final, acho que ficava em Mury mesmo. A montanha que aparecia por detrás do trem já não aparece mais nos cartões postais ... e parte dela desabou no dia 12 de janeiro de 2011, arrastando um prédio e causando a morte de muitas pessoas.

Eu posso apenas imaginar o que aconteceria, hoje em dia, se dois meninos atirassem pedras em carros, ainda que fossem pedras de barro, provocando freiadas e a ira de motoristas vestidos de preto com óculos escuros. Estes meninos certamente correriam um grande risco de levarem um tiro.

sábado, 8 de setembro de 2012

O (re) NASCIMENTO DO BRASIL

Hoje, dia 7 de setembro de 2012


Feriadão. Me entreguei à uma gripezinha gostosa. Deixei minhas micropartículas se manifestarem livremente dentro do meu corpo.
O corpo é uma maravilhosa invenção divina. Quantos eventos não foram necessários desde a explosão cósmica original para que este corpo pudesse tomar esta forma, desenvolver este metabolismo e sugerir tudo o que sugere na minha vida?
O corpo fala conosco, como se fosse um médico caseiro:

"É velho Gui, desta vez não deu pra liberar. Você vai ter que encarar essa temporária queda energética, necessária pra gente poder bater mais uma vez (como sempre) a turminha da pesada, ou do pesadelo. A turminha é persistente, como as hienas na caça. Sabemos que um dia eles irão vencer-nos. Mas este dia ainda não chegou, eu posso te garantir. Portanto, relaxe! Leia um livro. Dedique-se a alguma atividade leve, tipo escrever no teu blog. Ou quem sabe, aproveitar a ocasião, e fazer um arranjo do HINO NACIONAL para violão solo, coisas desse tipo".

Sim, boa metáfora: a morte como um grupo de hienas que nos caçam persistentemente. Não há mamífero mais obcecado do que a hiena. Mas, como todos os predadores, a hiena tem uma função sagrada em Gaia, nosso ecosistema global, que é limpar os resíduos. A morte é como uma poda. Ou uma purificação; fortalecimento da vida dos que sobrevivem.

E refletindo sobre estas coisas no Dia da Pátria, sobre tudo que vivi quando aqui estive nestes últimos 4 anos, cheguei a metáfora que definiu, dentro de mim, o atual momento brasileiro:

O Brasil é uma borboleta, prestes a nascer,
cercada pelo próprio casulo morto, apodrecido.




quinta-feira, 5 de julho de 2012

VIVA LUIZ GONZAGA - 100 anos

Busto na entrada do Museu Luiz Gonzaga, em Caruaru-PE  
Entre os músicos brasileiros que formam os pilares básicos da cultura musical brasileira, Luiz Gonzaga é uma das influências mais remota, mais fácil, mais alegre. Se fosse vivo, Gonzagão estaria completando 100 anos de vida no dia 13 de dezembro de 2012. O MinC, através do Pró-Cultura, e a Funarte, criaram o PRÊMIO FUNARTE CENTENÁRIO DE LUIZ GONZAGA para premiar projetos que se inspirassem na rica herança deixada por Gonzaga. Fui um dos agraciados e sinto-me imensamente grato pela honraria.

Sem ser nordestino, especialista ou praticante assíduo da música popular nordestina, sempre tive em Luiz Gonzaga uma das minhas maiores referências ou influências, das quais me utilizo para criar minhas próprias obras inspiradas na música nordestina; mesclando outras influências como o jazz, o rock, o barroco ou a música sinfônica. Hermeto Pascoal, outro compositor que é um grande pilar da música instrumental brasileira, já mesclava harmonias jazzísticas com ritmos nordestinos, desde os anos 60.  O interesse aqui é semelhante: criar sonoridades que incluam o forte sabor de ancestralidade da música nordestina dentro da prática da música e da arte contemporânea. 


Em uma das faixas do meu primeiro álbum autoral, o compacto duplo vinil Bons Ventos (1984), no baião-rock Estação Orbital do Cariri, inclui instrumentos típicos da música nordestina como zabumba, triângulo, viola sertaneja, com outros como guitarra elétrica e sintetizadores. No álbum Live at Montreux (2004) estão incluídos dois baiões instrumentais: a faixa introdutória Baião Tva e Baião, oitava faixa do disco, quinto movimento da Suite Brasil, Brazil, que obtiveram críticas favoráveis da imprensa especializada americana, entre eles a revista JazzTimes.  Em 2002, ao ganhar o apoio do Konstnarsnamnden (Conselho de Cultura Sueco) para escrever obras para quarteto de cordas, compus Fantasia Gonzaguiana; uma peça que homenageia o compositor Luiz Gonzaga e que foi apresentada em Estocolmo pelo quarteto de cordas Harjukvartett.


Para ouvir:


FANTASIA GONZAGUIANA (2002): http://snd.sc/FQIuF1

BAIÃO TVA(1999): http://snd.sc/FQI1oz

ESTAÇÃO ORBITAL DO CARIRI(1984): http://snd.sc/yadL49

O universo artístico-cultural nordestino, do qual Luiz Gonzaga foi o maior porta-voz, está entre nossos patrimônios culturais mais preciosos. Sempre acreditei que este patrimônio pudesse (e devesse), cada vez mais, ser compartilhado e fazer parte da cultura universal, assim como outras tradições artístico-musicais. Não só através do cultivo, mas da sua tradução e (re)inauguração. Um exemplo destas traduções e reinaugurações pode ser apreciada em uma peça do flautista sueco Anders Hagberg intitulada Lek (brinquedo). Nesta peça estão mesclados elementos musicais do folclore do Norte da Suécia com os da música nordestina brasileira. Gravada ao vivo no Festival de Jazz de Montreux pelo Gui Mallon Ensemble, pode ser ouvida através deste link: LEK

Até o dia 13 de dezembro de 2012, dia do seu nascimento, estarei lançando uma nova composição em homenagem a Luiz Gonzaga, que se intitulará GONZAGUIANAS 2012. 


Viva nosso mestre sanfoneiro! 
Viva Luiz Gonzaga!

domingo, 1 de abril de 2012

MEU BRASIL BRASILEIRO - capítulo III

música: ARIA de J.S.BACH - arranjada por Gui Mallon e tocada pelo Gui Mallon Ensemble,
dedicada aos que foram assassinados durante o regime de DITADURA MILITAR (1964-1985).
(english translation follows)
DIA 1 DE ABRIL DE 1964 - Dia da Mentira. Dia da Vergonha.

O RETORNO DA ESCRAVIDÃO EM PLENO SÉCULO XX


Só que, dessa vez, extensiva a todos os cidadãos brasileiros, porque foi uma ESCRAVIDÃO DO ESPÍRITO HUMANO E DAS IDEIAS.

Nunca vivemos na história contemporânea do Brasil um período tão ACÉFALO.
E sofremos até hoje dessa acefalia geral no plano político. Nossa vida política ainda é muito BURRA (!) 
porque todo um processo inteligente de formação e discussão de ideias foi brutalmente eliminado da história do país, junto com a eliminação dos mais valorosos homens e mulheres de uma geração sonhadora. Não houve diálogo, nem dialética, e o país se empobreceu com isso.

Hoje, dia primeiro de abril,  dia da mentira, devemos colocar tarjas pretas nos braços.
Hoje, 1 de abril, dia do Golpe Militar de 1964, declaramos o
DIA DA VERGONHA NACIONAL



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música: ARIA de J.S.BACH - arranjada por Gui Mallon e tocada pelo Gui Mallon Ensemble,
dedicada aos que foram assassinados durante o regime de DITADURA MILITAR (1964-1985).


DAY 1 APRIL 1964 - April Fool's Day. Brasil's Day of Shame.
THE RETURN OF SLAVERY INTO THE TWENTIETH CENTURY.

Only this time it was extended to all Brazilian citizens, because it was essencially a SLAVERY OF THE HUMAN SPIRIT AND IDEAS.

Never before in Brazil's contemporary history we have witnessed such an acephalous period. And we suffer still today of this general political acephalia. Our political life is still very stupid (!) because all an intelligent process of formation and discussion of ideas was brutally extirpated of the country's history, along with the elimination of the most brave and bright men and women of a generation of dreamers. There was no dialogue, or dialectic, and the country became impoverished thereby.

Today, 1 April Fool's Day, we should put black stripes on our arms.
Today, April 1st, the day of the Military Coup of 1964, we must declare
T H E  N A T I O N A L    D A Y  OF  S H A M E